Wednesday, July 20, 2016

Ilhado nas noites brancas: o transporte público em São Petersburgo

População da área urbana: 5,2 milhões
Operadoras ferroviárias: Metropolitano de SPb e RZhD (Ferrovias da Rússia). 
Estações de metrô e trem: 216



Hall da estação de Moscou


São Petersburgo, fundada pela estratégia profunda ou capricho de um déspota esclarecido, parece, pra quem anda por seus bulevares e parques, com o sonho nunca realizado de algum arquiteto da Renascença. Palácios, e prédios que se parecem com palácios, se perfilam nessas avenidas, cruzando rios e canais, até seu olho se perder na perspectiva. Isso foi tanto problema quanto oportunidade para a implantação do transporte público ao longo do século XX. Problema porque o centro histórico tombado é maior, muito maior do que o de costume; oportunidade porque é prático fazer metrô sob avenidas retas como réguas. Fica um pouco menos prático porque a cidade foi erguida sobre um enorme pântano congelado, e além do próprio pântano tem os vários metros de toras e pedras usados para estabilizar o terreno no século XVIII.
Quadro de horários; a estação é a que tem menos trens suburbanos das cinco.

O centro do sistema de transporte é o metrô, administrado pelo governo estadual através de uma empresa estatal. Menos luxuoso que o de Moscou, mas por pouco, o metrô de SPb não é particularmente extenso, com seis linhas - mas tem que lembrar que São Petersburgo, apesar da fama, não é maior do que Campinas. As estações geralmente têm saídas "camufladas" em prédios oitocentistas fakes, ao invés de serem no meio da rua ou em prédios autônomos bolo de noiva como em Moscou, e são incrivelmente fundas; só é razoável acessá-las porque se chega até lá embaixo numa única, rápida (se não prestar atenção, você cai no final), e infinita escada rolante. Uma escada rolante tão grande, aliás, que tem maquinista. Uma pessoa numa cabine, com controle de velocidade e freio pra se der problema. Antigamente eram duas, uma embaixo e uma em cima, porque não se pode ver a ponta da escada do outro lado; hoje, é uma só operadora, com câmeras para ajudar. Ao invés dos pedacinhos rombóides pra impedir doido de descer pelo corrimão, as próprias luzes do túnel ficam no corrimão da escada, realmente impedindo um louco de descer 80 metros até a morte. Outra coisa curiosa das estações: como alhures na Rússia, geralmente não se tem uma estação com duas linhas; mesmo que a integração seja total, uma na outra se misturando, as estações têm nomes diferentes em cada linha - geralmente o de duas ruas do cruzamento,  mas quando não dá o de alguma referência próxima. Assim, a estação que se conecta à estação de trem de Moscou, se chama Praça Vosstanya na linha 1, e Maiakóvski na linha 3, quando muito provavelmente na Europa Ocidental o espaço inteiro seria "Estação de Moscou."
Trólebus subindo a Avenida Névsky, e passagem subterrânea (com quiosques) sob a avenida

E falando no trem: o complemento do metrô é o trem metropolitano, que atinge até subúrbios bastante remotos. Administrado pela RZhD, a estatal federal de trens, ele se distribui em leques a partir de cada uma das cinco estações de trem que orbitam o centro histórico, todas elas com serviços suburbanos e interurbanos compartilhando as mesmas plataformas. Na estação Finlândia, descobrimos inclusive um pequeno free shop (como saímos, seguindo o fluxo, direto da plataforma pela lateral, para a rua, não pudemos entrar nele). Não deixa de ser curioso: pra entrar e sair do corpo da estação você tem que passar por um detector de metais, mas dá pra chegar diretamente no trem, com passagem já comprada, da rua... falando na passagem, as máquinas de compra de bilhete disponíveis em todas as estações não vendem (ou pelo menos não vendiam quando fomos) trens suburbanos, subsidiados; para esses, você tem que encarar as filas, razoavelmente lentas, nas bilheterias. Ao contrário do metrô, que tem preço fixo (e bem barato - o equivalente a uns 20 centavos), os trens suburbanos têm preço de acordo com a distância. Que não chega a ser particularmente caro - um trem até um subúrbio distante, cobrindo uns 30km, custa quatro reais. Todas as cinco estações são, como é de praxe na Rússia, monumentais, e todas estão ligadas à linha 1 do metrô, que descreve um arco de sudoeste a nordeste, exceto pela mais nova, Ladoga, que está conectada pela linha 4.
Ônibus "ecológico" a gás natural. Essa é a mesma passagem de nível da foto anterior; ela tem dois acessos por calçada.

Mais localmente, o centro da cidade é cortado por ônibus, trólebus, e bondes. Trólebus, bondes, e a maioria dos ônibus são também do governo da cidade-estado (os trólebus e bondes na mesma companhia), mas há ônibus privados (além de vans). Os bondes têm linhas maiores e são uma rede complementar à do metrô, principalmente nas áreas logo em volta do centro; os ônibus e trólebus funcionam com linhas menores, em geral. Em todos os três, há validadores de cartão de passagem (não tem integração tarifária intermodal, mas tem plano mensal), e, pros avulsos, trocadores que andam pelo ônibus, identificados por um colete, e te dão a passagem seja que está impressa, num rolinho de papel colorido barato que parece uma serpentina de carnaval, seja que é impressa numa maquininha; alguns ônibus e trólebus não têm validador fixo, só o carregado pelo cobrador, e nos ônibus particulares e vans o próprio motorista faz as vezes de cobrador.
A escada interminável.

Enquanto ônibus e trólebus são em geral bastante novos (boa parte dos ônibus com decalques anunciando modelo híbrido), os bondes são bem velhinhos, e boa parte dos trilhos foi retirado, a ponto de São Petersburgo perder o título de rede de bonde mais extensa do mundo. A alegação é de que os bondes atrapalhariam o trânsito. No centro da cidade, sobraram só duas linhas singelas de trilhos, que não são usadas para transporte de passageiro, só para passar os bondes do lado sul pro norte quando necessário. Só depois nós descobrimos que passamos, aliás, pelos fundos do museu do transporte elétrico (trólebus e bonde), situado na primeira garagem da cidade, construída pela Westinghouse.
Mosaico na estação Almirantado

Todo esse sistema funciona bastante bem... exceto de madrugada. Ao contrário de outros lugares, em que o metrô fecha de madrugada mas você pode usar o ônibus, em SPb, no verão, se você perdeu o último trem vai acampar na rua. Isso porque o dédalo de canais da cidade é usado para transporte de cargas, e todas as pontes são levantadas entre meia noite e quatro e meia da manhã. Pra tentar dar a volta nesse problema, a cidade está começando a implantar um serviço de barcônibus - mais lento do que os ônibus normais, mas pelo menos deixará que os incautos saiam das respectivas ilhas na madrugada...

Trólebus passando na lateral da estação de Moscou

Entrada da estação Praça Sennaya



Pessoa estranha sentada no banco na plataforma da estação Dostoiévski
Plataforma da estação Almirantado

Ilhado nas noites brancas: o transporte público em São Petersburgo

Hall da estação Moscou


São Petersburgo, fundada pela estratégia profunda ou capricho de um déspota esclarecido, parece, pra quem anda por seus bulevares e parques, com o sonho nunca realizado de algum arquiteto da Renascença. Palácios, e prédios que se parecem com palácios, se perfilam nessas avenidas, cruzando rios e canais, até seu olho se perder na perspectiva. Isso foi tanto problema quanto oportunidade para a implantação do transporte público ao longo do século XX. Problema porque o centro histórico tombado é maior, muito maior do que o de costume; oportunidade porque é prático fazer metrô sob avenidas retas como réguas.
Quadro de horários; a estação é a que tem menos trens suburbanos das cinco.

O centro do sistema de transporte é o metrô, administrado pelo governo estadual através de uma empresa estatal. Menos luxuoso que o de Moscou, mas por pouco, o metrô de SPb não é particularmente extenso, com seis linhas - mas tem que lembrar que São Petersburgo, apesar da fama, não é maior do que Campinas. As estações geralmente têm saídas "camufladas" em prédios oitocentistas fakes, ao invés de serem no meio da rua ou em prédios autônomos bolo de noiva como em Moscou, e são incrivelmente fundas; só é razoável acessá-las porque se chega até lá embaixo numa única, rápida (se não prestar atenção, você cai no final), e infinita escada rolante. Uma escada rolante tão grande, aliás, que tem maquinista. Uma pessoa numa cabine, com controle de velocidade e freio pra se der problema. Antigamente eram duas, uma embaixo e uma em cima, porque não se pode ver a ponta da escada do outro lado; hoje, é uma só operadora, com câmeras para ajudar. Ao invés dos pedacinhos rombóides pra impedir doido de descer pelo corrimão, as próprias luzes do túnel ficam no corrimão da escada, realmente impedindo um louco de descer 80 metros até a morte. Outra coisa curiosa das estações: como alhures na Rússia, não se tem uma estação com duas linhas; mesmo que a integração seja total, uma na outra se misturando, as estações têm nomes diferentes em cada linha - geralmente o de duas ruas do cruzamento,  mas quando não dá o de alguma referência próxima. Assim, a estação que se conecta à estação de trem Moscou, se chama Praça Vosstanya na linha 1, e Maiakóvski na linha 3, quando muito provavelmente na Europa Ocidental o espaço inteiro seria "Estação de Moscou."

E falando no trem: o complemento do metrô é o trem metropolitano, que atinge até subúrbios bastante remotos. Administrado pela RZhD, a estatal federal de trens, ele se distribui em leques a partir de cada uma das cinco estações de trem que orbitam o centro histórico, todas elas com serviços suburbanos e interurbanos compartilhando as mesmas plataformas. Na estação Finlândia, descobrimos inclusive um pequeno free shop (como saímos, seguindo o fluxo, direto da plataforma pela lateral, para a rua, não pudemos entrar nele). Não deixa de ser curioso: pra entrar e sair do corpo da estação você tem que passar por um detector de metais, mas dá pra chegar diretamente no trem, com passagem já comprada, da rua... falando na passagem, as máquinas de compra de bilhete disponíveis em todas as estações não vendem (ou pelo menos não vendiam quando fomos) trens suburbanos, subsidiados; para esses, você tem que encarar as filas, razoavelmente lentas, nas bilheterias. Ao contrário do metrô, que tem preço fixo (e bem barato - o equivalente a uns 20 centavos), os trens suburbanos têm preço de acordo com a distância. Que não chega a ser particularmente caro - um trem até um subúrbio distante, cobrindo uns 30km, custa quatro reais. Todas as cinco estações são, como é de praxe na Rússia, monumentais, e todas estão ligadas à linha 1 do metrô, que descreve um arco de sudoeste a nordeste, exceto pela mais nova, Ladoga, que está conectada pela linha 4.
Ônibus "ecológico" a gás natural

Mais localmente, o centro da cidade é cortado por ônibus, trólebus, e bondes. Trólebus, bondes, e a maioria dos ônibus são também do governo da cidade-estado (os trólebus e bondes na mesma companhia), mas há ônibus privados (além de vans). Os bondes têm linhas maiores e são uma rede complementar à do metrô, principalmente nas áreas logo em volta do centro; os ônibus e trólebus funcionam com linhas menores, em geral. Em todos os três, há validadores de cartão de passagem (não tem integração tarifária intermodal, mas tem plano mensal), e, pros avulsos, trocadores que andam pelo ônibus, identificados por um colete, e te dão a passagem seja que está impressa, num rolinho de papel colorido barato que parece uma serpentina de carnaval, seja que é impressa numa maquininha; alguns ônibus e trólebus não têm validador fixo, só o carregado pelo cobrador, e nos ônibus particulares e vans o próprio motorista faz as vezes de cobrador.

Enquanto ônibus e trólebus são em geral bastante novos (boa parte dos ônibus com decalques anunciando modelo híbrido), os bondes são bem velhinhos, e boa parte dos trilhos foi retirado, a ponto de São Petersburgo perder o título de rede de bonde mais extensa do mundo. A alegação é de que os bondes atrapalhariam o trânsito. No centro da cidade, sobraram só duas linhas singelas de trilhos, que não são usadas para transporte de passageiro, só para passar os bondes do lado sul pro norte quando necessário. Só depois nós descobrimos que passamos, aliás, pelos fundos do museu do transporte elétrico (trólebus e bonde), situado na primeira garagem da cidade, construída pela Westinghouse.

Todo esse sistema funciona bastante bem... exceto de madrugada. Ao contrário de outros lugares, em que o metrô fecha de madrugada mas você pode usar o ônibus, em SPb, no verão, se você perdeu o último trem vai acampar na rua. Isso porque o dédalo de canais da cidade é usado para transporte de cargas, e todas as pontes são levantadas entre meia noite e quatro e meia da manhã. Pra tentar dar a volta nesse problema, a cidade está começando a implantar um serviço de barcônibus - mais lento do que os ônibus normais, mas pelo menos deixará que os incautos saiam das respectivas ilhas na madrugada...