Tuesday, August 16, 2016

A limpeza modesta das ruas japonesas

Um dos problemas de se falar de algumas coisas é a falta de referência. Por exemplo: a limpeza urbana no Japão. As ruas são limpas. Muito limpas. Imaculadas, quase. Mas quando você diz isso pra gente de fora, especialmente para brasileiros, o que vem à mente é uma área rica, ou até um shopping ou condomínio fechado; afinal isso é o que vemos como áreas limpas.

E nada poderia estar mais distante da realidade. Longe de se parecer com um shopping center, boa parte das ruas japonesas parecem mais com um subúrbio brasileiro, só que limpo. Tão lá as placas meio velhuscas, a fiação se enovelando em barafundas nos postes, ruas alternadas de gente se alternando com ruas tranquilas, as lojas com araras no meio da rua; nos utensílios domésticos e ar condicionados apoiados na calçada, na quantidade de madeira nas construções, lembra até um pouco uma favela.

É uma diferença fundamental de conceito: enquanto um shopping e congêneres são limpos porque tem um monte de trabalhadores cuidando para que isso continue a ser verdade, as ruas japonesas são limpas, simplesmente, porque ninguém suja. Não é só que não tenha o exército de faxineiras de shopping com borrachinhas de apagar marca de sapato, não tem sequer tantos garis quanto as áreas centrais de cidades brasileiras, o que deu pra ver bem nas sakuras que caíam enquanto visitamos; as delicadas florzinhas, caindo na calçada, lá ficavam uma boa semana se acumulando antes de serem limpas. Faz todo o sentido: num dos países mais igualitários do mundo, gari também é um trabalho caro de se remunerar. E isso torna, claro, mais essencial ainda que ninguém, ninguém mesmo, taque lixo na rua. E funciona lindamente, sem lixeiras de rua exceto ao lado de algumas máquinas de refrigerante, máquinas cuja onipresença é outro fruto da sociedade em que pagar alguém pra vender refrigerante sai caro.

Essa limpeza generalizada, que hoje é tão característica do Japão quanto sushi e cerejeiras, é relativamente recente; começou com as olimpíadas de Tóquio em 1964, quando o governo, com apoio da imprensa (a grande imprensa japonesa é geralmente um tanto chapa-branca) resolveu que iria mostrar ao mundo uma nova e futurista nação, com as manchas da guerra (tanto a destruição quanto o militarismo) apagadas; parte desse se-mostrar incluiu a limpeza, e foi feita uma campanha coletiva em que centenas de milhares de toquiotas se alistaram como garis voluntários. E depois de limpa Tóquio, galera reparou que era agradável morar numa cidade assim; e o movimento se espalhou por todo o país.

O fato de todo mundo estar acostumado a limpar a própria sujeira, desde a escola, resulta também em coisas como banheiros públicos em que, ao invés do protetor de assento, vemos um paninho e um desinfetante, e a injunção ao usuário pra que limpe o assento depois de usá-lo (neste caso o sucesso foi menos total do que nas ruas; alguns banheiros de estação não eram tão limpos. Mas, pra banheiro de estação de trem, a média era bastante limpa sim.)

A limpeza das ruas japonesas não é só diferente da limpeza de um shopping center. É o contrário.

Thursday, August 11, 2016

Perdências

Perdido pelo caminho

1 mochilinha, presente de Tabatha, que se rebentou ainda no avião.
1 almofada de pescoço do senhor do Bonfim, esquecida no trem de Helsinque a São Petersburgo
1 calça jeans, esquecida entre Irkutsk e Khabarovsk
1 almofada de dinossauro, comprada no museu de Moscou e esquecida na barca de Miyajima
1 ficha do metrô de São Petersburgo, de paradeiro ignorado
1 par de lentes escuras que se encaixavam nos óculos de Thuin, paradeiro ignorado
1 sacola cheia de remédios pra dor nas costas, perdida no trem de Quioto para Osaca



Achado e perdido : coisas que deixamos pra comprar depois e nunca mais vimos

Matrioshkas supremacistas, na loja do Museu Russo
Comida de cosmonauta, no restaurante do Museu dos Cosmonautas
Uísque japonês, váaaarias vezes






Labirintos: momentos em que nos perdemos bonito

Um labirinto em linha reta: quando subestimamos a distância entre os jardins de verão e o museu da Água. Os prédios de SPb são grandinhos.
Um labirinto sagrado: os túneis de torii em Fuximi-Inari-Taixá.
Labirintos 3D cheios de gente: as gares de Tóquio (Marunouti) e Shinjuku.







O quase-visto: coisas que não vimos por muito pouco


O monte Fuji, envolto em névoa quando passamos perto de trem e em fumaça quando subimos no prédio do governo de Tóquio.
O convento Smolny, a um quarteirão do museu da Água. Aliás, a parte nova e interessante do museu da Água, que fica nos fundos e já estava fechada quando saímos da parte velha.
O museu de arte prefeitural em Kanazawa, que achávamos que veríamos no dia que, de facto, passamos foi em Takaoka
O museu naval de São Petersburgo, ao lado do museu zoológico.
O mercado municipal de SPb, que não achamos (passamos a uns quinze metros).


Tuesday, August 9, 2016

Moscou: o senhor dos anéis

População da área urbana: 16,7 milhões
Estações de trem 343
Оperadoras de trem: Metropolitano de Moscou (governo da cidade-estado), Ferrovias de Moscou (subsidiária integral da Ferrovias da Rússia, também responsável por uma rede de 400 estações fora da área metropolitana).



Moscovitas curtem anéis. Não é piada: curtem tanto a noção que as agências de turismo soviéticas, quando queriam vender as cidades históricas da antiga Moscóvia, chamaram-nas de o "anel dourado." (A forma que o "anel dourado" assume tá beeeeem longe de um círculo.) E assim é que a cidade também tem uma profusão de anéis viários. São cinco anéis rodoviários em volta do Kremlin, e quatro anéis ferroviários contando a linha 5 (Circular) do metrô. E estão fazendo um quinto. Boa parte dessa profusão de anéis, entretanto, é hoje mais pra frete do que para passageiros - inclusive, até fins de 2018, boa parte dos dois anéis ferroviários oficiais (todas as estações no perímetro estão conectadas por uma linha circular com entre 5 e 10 trilhos, mas ela não é chamada de anel, nem tem serviços que usem mais que uma pequena parte dela; antes, a cidade é cercada por um pátio ferroviário) pertencentes à MZhD, subsidiária da RZhD; os anéis estão lá, mas só têm serviços parciais de passageiros. Entre 2018 e 2020 está planejado o início da operação de trens circulares de passageiros em todo o percurso do pequeno anel, ligando entre si os subúrbios que hoje precisam ir ao centro e voltar; além disso, está em construção também um novo anel do metrô, que correria mais ou menos na mesma distância do centro que o pequeno anel, mas 15km ao sul. (isso é, os dois trocariam de lugar um com o outro como "terceiro anel," e compartilhariam estações). Assim:

Em laranja, o pequeno anel (existente, que está sendo upgradeado); em azul, a nova linha circular.


O que alivia um pouco essa longa operação atual, enquanto não ficam prontas as duas linhas circulares maiores, é a linha circular do metrô. Além de todas as linhas de metrô e sete das nove grandes gares estarem conectadas a ela, a linha tem uma operação extremamente rápida ao longo do dia inteiro, e não só na hora do rush. O tempo nominal entre partidas de trem é de 68", o que deveria ser impossível; não sei se é verdade, mas sei que, me postando na plataforma por 5 minutos e meio, vi cinco trens passarem. Parte do segredo do sucesso parece estar na abertura das portas: elas se abrem por muito pouco tempo, e se fecham com uma violência de fazer balançar o trem. Não tem empata-porta em Moscou, ou se tem é o Wolverine. Todas as linhas do metrô menos uma têm serviço único, sem bifurcações; a exceção é a linha 4, Filiovskaya, que também concentra quase todas as estações na superfície do sistema e se bifurca logo após a estação Gare de Kiev.



Falei nove grandes gares? Pois então, o metrô moscovita é famoso pela decoração exuberante, geralmente em estilo bolo-de-noiva, das suas estações, mas as gares, que misturam serviço suburbano e de longa distância (só agora estão segregando prum lado as plataformas suburbanas, pra outro as de linha), não ficam muito atrás. Mesmo as menores, como a gare de Saviolov, são barrocas, com enormes saguões. O barroco é misturado com um neocronstutivismo soviético volta e meia, como nos compridíssimos tetos das plataformas da estação de Leningrado. Aliás isso é um detalhe curioso: no meio de toda essa extravagância, nenhuma delas tem uma basílica sobre as plataformas; o mais próximo disso é o teto único, recente, da estação de Kazan. A única estação de arquitetura integralmente mais nova, é a gare de Kursk, com uma cara bem anos 60, com enorme fachada de vidro e teto único de concreto canelado. No metrô, os anos 50-60 também marcam o fim do estilo bolo de noiva stalinista, e as estações mais novas são, se nem um pouco menos luxuosas, muito mais sóbrias. Inclusive o equivalente moscovita da estação Sumaré, de São Paulo, a estação Vorobyovy Gory, pendurada numa ponte sobre o Moscou. OK, quase equivalente, porque ao contrário de Sumaré ela é inteiramente fechada. Talvez o clima de São Paulo seja um pouco mais ameno.

Estação Aeroport (o aeroporto se foi há muito tempo, ficou o nome do bairro)


A estação de Kazan, além de ser a maior individualmente, faz parte, aliás, junto com as estações Leningrado, Yaroslav, e Kalanchov, de algo que seria um único complexo, na maioria dos países, mas os russos segregam em geral como estações separadas até estações de metrô feitas pra terem mais de uma linha. Na Rússia, você não teria a Sé com linha 1 e 2, mas a Sé (linha Azul) e Tribunal de Justiça (linha Vermelha). O complexo da praça dos Komsomols, incluindo as quatro estações de trem, mais duas linhas do metrô, mais rodoviária e plataformas de bonde, é todo interligado pelo subterrâneo, dentro ainda da área grátis, e inclui ao todo cinquenta pares de trilhos (o número oficial de plataformas é bem menor porque na Rússia, como na Argentina, se chama de plataforma cada ilha de concreto, ao invés de cada lado dela como é mais comum).  Sem contar os bondes. O complexo inclui, além de várias lojas, hotéis e albergues, correios, e restaurantes, três igrejas

O início das plataformas na estação de Leningrado; o prédio neoclássico começa depois da parede de porfírio à direita; à frente, a interconexão com a gare de Yaroslav

Aqui cabe uma confissão: tecnicamente falando, talvez nós não tenhamos pego a transsiberiana. Isso porque a transsiberiana "oficial," e o caminho que o Rossiya, o trem que faz o caminho inteiro de Moscou a Vladivostok, começam na gare de Yaroslav (ou no pedaço Yaroslav da gare dos Komsomols), e nós pegamos o trem pra Kazan, apropriadamente, na gare de Kazan. (Também seria possível pegá-lo na gare de Kursk, a única que não é fim de linha das nove gares.) Com isso, nossa chegada e saída de Moscou aconteceram, de qualquer jeito, na mesma estação. Nem sequer vimos a gare de Yaroslav de perto, como planejávamos - é a mais bonita das três, num estilo meio art nouveau meio cabana de camponês gigante - porque quando deixamos nossas mochilas no guarda-malas da gare de Kazan, subimos pra comer um almoço rápido, e o tal almoço, além de ruim, demorou horas e horas pra chegar, então quando terminou já ficamos com medo de perder o trem indo até a Yaroslav; o caminho mais curto, por dentro do metrô, tem meio quilômetro mas é abarrotado de gente. Cada gare do complexo tem arquitetura inspirada na cidade que a nomeia; neoclássica pra S. Petersburgo, essa cara de conto de fadas para Yaroslav, e neorrussa pra Kazan (que parece uma cidade russa antiga, vista de fora).

As gares de Yaroslav (ao fundo) e Leningrado vistas da entrada lateral da gare de Kazan. Sob a praça, as estações de metrô e o acesso às plataformas de bonde no meio. 

Um dos saguões comuns da gare de Kazan

Saguão VIP da gare de Kazan


Em geral, "abarrotado de gente" descreve bem boa parte do sistema de transporte moscovita. Não chega a níveis paulistas, em geral, mas aquelas fotos das estações vazias de divulgação são ou bem tarde da noite ou antes da abertura, pelo menos nas estações dentro da zona central da cidade (ficamos num bairro no limite do subúrbio). Mais do que as plataformas, os corredores de ligação frequentemente parecem o corredor Paulista-Consolação.

Uma estação mais clean: Schabolovskaya

Um bolo de noiva: Kievskaya (sob a gare de Kiev)



Estação Maiakóvski

O sistema de metrô é de tarifa única, assim como os trens suburbanos até uma estação depois do pequeno anel; além disso, há uma diversidade de tarifas possíveis. A tarifa do metrô, o equivalente a uns 2,50R$, é bem mais alta do que o normal na Rússia, e só pode ser comprada em cartões múltiplos (mínimo de 2 passagens). Uma coisa curiosa, e irritante para quem não está acostumado, é que em muitas estações se você entrou pela porta externa (geralmente pesadíssima pra segurar o poderoso vento Norte), não tem como voltar. Você fatalmente vai ter que entrar pela catraca. Ou pelo sistema de bilhetagem, já que muitas estações não têm catraca. E sim, fiscalização abunda. O problema é derivado do esquema de construção do metrô: entre as plataformas feéricas (90% das fotos que se vê por aí são de plataformas) e os enormes acessos de superfície, o metrô é feito de escadas e corredores relativamente estreitos, como dá pra ver na foto abaixo.

A catraca.

Bondes e ônibus são ambos complementares ao sistema de metrô e trem suburbano, que não se confundem; trens suburbanos têm um intervalo mínimo de quatro minutos, e têm bastante pouco espaço em pé, e bancos invariavelmente voltados pra frente ou pra trás. Em geral, há poucos bondes e ônibus (a diesel ou catenária) no centro da cidade, e bem mais nos subúrbios, onde eles são orientados em volta de cada estação de trem ou metrô, e bem mais raramente ligando duas delas. Os bondes e ônibus que vimos na rua iam de novos em folha a relíquias de museu, todos cobertos de barro, assim como todos os carros, por conta do degelo. Muitos eram de modelos familiares europeus, mas muitos também com uma estética sutilmente diferente do que se está acostumado, mais severa. Há um número razoável de ônibus fretados e "fretados" piratas, geralmente bem mais novos do que as vans e microônibus semioficiais, piratas legalizados ou de cooperativas. Aliás estes, em muitos pontos, são muito mais frequentes do que os ônibus e trólebus do governo estadual. 






Saindo do museu dos cosmonautas, encontramos, sem pegar, uma estação do curto sistema de monotrilho, de só cinco quilômetros, que liga ali duas linhas de metrô; já houve planos, descartados, de fazer toda uma linha circular de monotrilho. Hoje, além de inda servir pra ligar as duas linhas, ele não deixa de ser atração turística; liga o grande parque de exposições VDNKh, o jardim botânico da academia de ciências da Rússia (Moscou tem uma dúzia de jardins botânicos), o palácio Ostankino, a torre de tv com o mesmo nome... 

Monotrilho em cima do bonde em cima do metrô. Sim, o bonde é pintado com a bandeira nacional.


Os acessos do metrô, como disse, são geralmente bem grandes. Isso porque ao nível do solo estão, além do acesso propriamente dito, salas de apoio, bilheterias, e quiosques. Em comparação com o tamanho dos acessos, que parecem prédios nem tão pequenos, as portas pelas quais se entra são, sim, relativamente pequenas. Mais do que isso: até as grandes gares de trem têm, sob os arcos monumentais, portas pequenas, de madeira eou vidro, que se empurra pra entrar. Culpa do avô inverno.

Porta da gare de Kazan

Acesso da estação Biblioteca Nacional (as colunas imitam as da própria biblioteca)

Acesso da estação Sportivnaya; o estilo é o mesmo do estádio do Dínamo

Acesso da estação Oktyabr'skaya, integrado a prédio comercial

Acesso da estação VDNKh

Finalmente, o transporte ativo: há estações de bicicleta, patrocinadas por banco e com sistema de controle similar ao do Bradesco, por aqui: usa-se o cartão de crédito ou bilhete único para retirar a bicicleta. E andar... você pode dizer que é uma cidade ótima pra andar, ou péssima. Ótima porque há muitos bulevares, e você pode cortar por dentro dos quarteirões modernistas, cheios de árvores, ao invés de seguir pela rua. Péssima porque Moscou foi dos lugares em que o Deus-carro, no seu auge, mais submeteu os mortais, então, além de avenidas gigamétricas de largas assim que se sai do centro, tem passagem subterrânea no lugar de sinal mesmo em ruas secundárias. A rua é minimamente importante pro tráfego, tacam uma passagem subterrânea lá. O resultado é que, numa cidade relativamente plana, andar vira subir e descer escadas. A vantagem, vinda da destruição na Segunda Grande Guerra e reconstrução do centro histórico como era no século XIX, dos subúrbios sob princípios da carta de Atenas, é que a cidade é bastante densa.

Estação Saviolovsky. 14 plataformas suburbanas, uma pro trem do aeroporto, e camelódromo. O prédio menor à direita é a entrada do metrô

Gare da Bielorrússia. 10 plataformas suburbanas + 2 estações de metrô, e shopping



A chegada na plataforma. Atenção pra cabine vazia do controlador de escada (hoje só tem um controlador, em cima, com câmeras)

Teto da plataforma da estação Teatral'naya (acho

Detalhe

T

Ponte de pedestres sobre o Moscou

Passarela sobre a avenida Lenigradskaya

Mictórios no complexo dos Komsomols



Um ônibus pirata e uma "van." 

Saguão de espera na gare da Bielorrússia

Vista da passarela sobre a avenida Leningradskaya

Maus elementos

O painel das bicicletas públicas

Uma estação mais simples (chamada de plataforma) no subúrbio. Nos subúrbios ao norte elas são assim, de madeira e ferro; no resto, de concreto


Wednesday, July 20, 2016

Ilhado nas noites brancas: o transporte público em São Petersburgo

População da área urbana: 5,2 milhões
Operadoras ferroviárias: Metropolitano de SPb e RZhD (Ferrovias da Rússia). 
Estações de metrô e trem: 216



Hall da estação de Moscou


São Petersburgo, fundada pela estratégia profunda ou capricho de um déspota esclarecido, parece, pra quem anda por seus bulevares e parques, com o sonho nunca realizado de algum arquiteto da Renascença. Palácios, e prédios que se parecem com palácios, se perfilam nessas avenidas, cruzando rios e canais, até seu olho se perder na perspectiva. Isso foi tanto problema quanto oportunidade para a implantação do transporte público ao longo do século XX. Problema porque o centro histórico tombado é maior, muito maior do que o de costume; oportunidade porque é prático fazer metrô sob avenidas retas como réguas. Fica um pouco menos prático porque a cidade foi erguida sobre um enorme pântano congelado, e além do próprio pântano tem os vários metros de toras e pedras usados para estabilizar o terreno no século XVIII.
Quadro de horários; a estação é a que tem menos trens suburbanos das cinco.

O centro do sistema de transporte é o metrô, administrado pelo governo estadual através de uma empresa estatal. Menos luxuoso que o de Moscou, mas por pouco, o metrô de SPb não é particularmente extenso, com seis linhas - mas tem que lembrar que São Petersburgo, apesar da fama, não é maior do que Campinas. As estações geralmente têm saídas "camufladas" em prédios oitocentistas fakes, ao invés de serem no meio da rua ou em prédios autônomos bolo de noiva como em Moscou, e são incrivelmente fundas; só é razoável acessá-las porque se chega até lá embaixo numa única, rápida (se não prestar atenção, você cai no final), e infinita escada rolante. Uma escada rolante tão grande, aliás, que tem maquinista. Uma pessoa numa cabine, com controle de velocidade e freio pra se der problema. Antigamente eram duas, uma embaixo e uma em cima, porque não se pode ver a ponta da escada do outro lado; hoje, é uma só operadora, com câmeras para ajudar. Ao invés dos pedacinhos rombóides pra impedir doido de descer pelo corrimão, as próprias luzes do túnel ficam no corrimão da escada, realmente impedindo um louco de descer 80 metros até a morte. Outra coisa curiosa das estações: como alhures na Rússia, geralmente não se tem uma estação com duas linhas; mesmo que a integração seja total, uma na outra se misturando, as estações têm nomes diferentes em cada linha - geralmente o de duas ruas do cruzamento,  mas quando não dá o de alguma referência próxima. Assim, a estação que se conecta à estação de trem de Moscou, se chama Praça Vosstanya na linha 1, e Maiakóvski na linha 3, quando muito provavelmente na Europa Ocidental o espaço inteiro seria "Estação de Moscou."
Trólebus subindo a Avenida Névsky, e passagem subterrânea (com quiosques) sob a avenida

E falando no trem: o complemento do metrô é o trem metropolitano, que atinge até subúrbios bastante remotos. Administrado pela RZhD, a estatal federal de trens, ele se distribui em leques a partir de cada uma das cinco estações de trem que orbitam o centro histórico, todas elas com serviços suburbanos e interurbanos compartilhando as mesmas plataformas. Na estação Finlândia, descobrimos inclusive um pequeno free shop (como saímos, seguindo o fluxo, direto da plataforma pela lateral, para a rua, não pudemos entrar nele). Não deixa de ser curioso: pra entrar e sair do corpo da estação você tem que passar por um detector de metais, mas dá pra chegar diretamente no trem, com passagem já comprada, da rua... falando na passagem, as máquinas de compra de bilhete disponíveis em todas as estações não vendem (ou pelo menos não vendiam quando fomos) trens suburbanos, subsidiados; para esses, você tem que encarar as filas, razoavelmente lentas, nas bilheterias. Ao contrário do metrô, que tem preço fixo (e bem barato - o equivalente a uns 20 centavos), os trens suburbanos têm preço de acordo com a distância. Que não chega a ser particularmente caro - um trem até um subúrbio distante, cobrindo uns 30km, custa quatro reais. Todas as cinco estações são, como é de praxe na Rússia, monumentais, e todas estão ligadas à linha 1 do metrô, que descreve um arco de sudoeste a nordeste, exceto pela mais nova, Ladoga, que está conectada pela linha 4.
Ônibus "ecológico" a gás natural. Essa é a mesma passagem de nível da foto anterior; ela tem dois acessos por calçada.

Mais localmente, o centro da cidade é cortado por ônibus, trólebus, e bondes. Trólebus, bondes, e a maioria dos ônibus são também do governo da cidade-estado (os trólebus e bondes na mesma companhia), mas há ônibus privados (além de vans). Os bondes têm linhas maiores e são uma rede complementar à do metrô, principalmente nas áreas logo em volta do centro; os ônibus e trólebus funcionam com linhas menores, em geral. Em todos os três, há validadores de cartão de passagem (não tem integração tarifária intermodal, mas tem plano mensal), e, pros avulsos, trocadores que andam pelo ônibus, identificados por um colete, e te dão a passagem seja que está impressa, num rolinho de papel colorido barato que parece uma serpentina de carnaval, seja que é impressa numa maquininha; alguns ônibus e trólebus não têm validador fixo, só o carregado pelo cobrador, e nos ônibus particulares e vans o próprio motorista faz as vezes de cobrador.
A escada interminável.

Enquanto ônibus e trólebus são em geral bastante novos (boa parte dos ônibus com decalques anunciando modelo híbrido), os bondes são bem velhinhos, e boa parte dos trilhos foi retirado, a ponto de São Petersburgo perder o título de rede de bonde mais extensa do mundo. A alegação é de que os bondes atrapalhariam o trânsito. No centro da cidade, sobraram só duas linhas singelas de trilhos, que não são usadas para transporte de passageiro, só para passar os bondes do lado sul pro norte quando necessário. Só depois nós descobrimos que passamos, aliás, pelos fundos do museu do transporte elétrico (trólebus e bonde), situado na primeira garagem da cidade, construída pela Westinghouse.
Mosaico na estação Almirantado

Todo esse sistema funciona bastante bem... exceto de madrugada. Ao contrário de outros lugares, em que o metrô fecha de madrugada mas você pode usar o ônibus, em SPb, no verão, se você perdeu o último trem vai acampar na rua. Isso porque o dédalo de canais da cidade é usado para transporte de cargas, e todas as pontes são levantadas entre meia noite e quatro e meia da manhã. Pra tentar dar a volta nesse problema, a cidade está começando a implantar um serviço de barcônibus - mais lento do que os ônibus normais, mas pelo menos deixará que os incautos saiam das respectivas ilhas na madrugada...

Trólebus passando na lateral da estação de Moscou

Entrada da estação Praça Sennaya



Pessoa estranha sentada no banco na plataforma da estação Dostoiévski
Plataforma da estação Almirantado

Ilhado nas noites brancas: o transporte público em São Petersburgo

Hall da estação Moscou


São Petersburgo, fundada pela estratégia profunda ou capricho de um déspota esclarecido, parece, pra quem anda por seus bulevares e parques, com o sonho nunca realizado de algum arquiteto da Renascença. Palácios, e prédios que se parecem com palácios, se perfilam nessas avenidas, cruzando rios e canais, até seu olho se perder na perspectiva. Isso foi tanto problema quanto oportunidade para a implantação do transporte público ao longo do século XX. Problema porque o centro histórico tombado é maior, muito maior do que o de costume; oportunidade porque é prático fazer metrô sob avenidas retas como réguas.
Quadro de horários; a estação é a que tem menos trens suburbanos das cinco.

O centro do sistema de transporte é o metrô, administrado pelo governo estadual através de uma empresa estatal. Menos luxuoso que o de Moscou, mas por pouco, o metrô de SPb não é particularmente extenso, com seis linhas - mas tem que lembrar que São Petersburgo, apesar da fama, não é maior do que Campinas. As estações geralmente têm saídas "camufladas" em prédios oitocentistas fakes, ao invés de serem no meio da rua ou em prédios autônomos bolo de noiva como em Moscou, e são incrivelmente fundas; só é razoável acessá-las porque se chega até lá embaixo numa única, rápida (se não prestar atenção, você cai no final), e infinita escada rolante. Uma escada rolante tão grande, aliás, que tem maquinista. Uma pessoa numa cabine, com controle de velocidade e freio pra se der problema. Antigamente eram duas, uma embaixo e uma em cima, porque não se pode ver a ponta da escada do outro lado; hoje, é uma só operadora, com câmeras para ajudar. Ao invés dos pedacinhos rombóides pra impedir doido de descer pelo corrimão, as próprias luzes do túnel ficam no corrimão da escada, realmente impedindo um louco de descer 80 metros até a morte. Outra coisa curiosa das estações: como alhures na Rússia, não se tem uma estação com duas linhas; mesmo que a integração seja total, uma na outra se misturando, as estações têm nomes diferentes em cada linha - geralmente o de duas ruas do cruzamento,  mas quando não dá o de alguma referência próxima. Assim, a estação que se conecta à estação de trem Moscou, se chama Praça Vosstanya na linha 1, e Maiakóvski na linha 3, quando muito provavelmente na Europa Ocidental o espaço inteiro seria "Estação de Moscou."

E falando no trem: o complemento do metrô é o trem metropolitano, que atinge até subúrbios bastante remotos. Administrado pela RZhD, a estatal federal de trens, ele se distribui em leques a partir de cada uma das cinco estações de trem que orbitam o centro histórico, todas elas com serviços suburbanos e interurbanos compartilhando as mesmas plataformas. Na estação Finlândia, descobrimos inclusive um pequeno free shop (como saímos, seguindo o fluxo, direto da plataforma pela lateral, para a rua, não pudemos entrar nele). Não deixa de ser curioso: pra entrar e sair do corpo da estação você tem que passar por um detector de metais, mas dá pra chegar diretamente no trem, com passagem já comprada, da rua... falando na passagem, as máquinas de compra de bilhete disponíveis em todas as estações não vendem (ou pelo menos não vendiam quando fomos) trens suburbanos, subsidiados; para esses, você tem que encarar as filas, razoavelmente lentas, nas bilheterias. Ao contrário do metrô, que tem preço fixo (e bem barato - o equivalente a uns 20 centavos), os trens suburbanos têm preço de acordo com a distância. Que não chega a ser particularmente caro - um trem até um subúrbio distante, cobrindo uns 30km, custa quatro reais. Todas as cinco estações são, como é de praxe na Rússia, monumentais, e todas estão ligadas à linha 1 do metrô, que descreve um arco de sudoeste a nordeste, exceto pela mais nova, Ladoga, que está conectada pela linha 4.
Ônibus "ecológico" a gás natural

Mais localmente, o centro da cidade é cortado por ônibus, trólebus, e bondes. Trólebus, bondes, e a maioria dos ônibus são também do governo da cidade-estado (os trólebus e bondes na mesma companhia), mas há ônibus privados (além de vans). Os bondes têm linhas maiores e são uma rede complementar à do metrô, principalmente nas áreas logo em volta do centro; os ônibus e trólebus funcionam com linhas menores, em geral. Em todos os três, há validadores de cartão de passagem (não tem integração tarifária intermodal, mas tem plano mensal), e, pros avulsos, trocadores que andam pelo ônibus, identificados por um colete, e te dão a passagem seja que está impressa, num rolinho de papel colorido barato que parece uma serpentina de carnaval, seja que é impressa numa maquininha; alguns ônibus e trólebus não têm validador fixo, só o carregado pelo cobrador, e nos ônibus particulares e vans o próprio motorista faz as vezes de cobrador.

Enquanto ônibus e trólebus são em geral bastante novos (boa parte dos ônibus com decalques anunciando modelo híbrido), os bondes são bem velhinhos, e boa parte dos trilhos foi retirado, a ponto de São Petersburgo perder o título de rede de bonde mais extensa do mundo. A alegação é de que os bondes atrapalhariam o trânsito. No centro da cidade, sobraram só duas linhas singelas de trilhos, que não são usadas para transporte de passageiro, só para passar os bondes do lado sul pro norte quando necessário. Só depois nós descobrimos que passamos, aliás, pelos fundos do museu do transporte elétrico (trólebus e bonde), situado na primeira garagem da cidade, construída pela Westinghouse.

Todo esse sistema funciona bastante bem... exceto de madrugada. Ao contrário de outros lugares, em que o metrô fecha de madrugada mas você pode usar o ônibus, em SPb, no verão, se você perdeu o último trem vai acampar na rua. Isso porque o dédalo de canais da cidade é usado para transporte de cargas, e todas as pontes são levantadas entre meia noite e quatro e meia da manhã. Pra tentar dar a volta nesse problema, a cidade está começando a implantar um serviço de barcônibus - mais lento do que os ônibus normais, mas pelo menos deixará que os incautos saiam das respectivas ilhas na madrugada...