Um dos problemas de se falar de algumas coisas é a falta de referência. Por exemplo: a limpeza urbana no Japão. As ruas são limpas. Muito limpas. Imaculadas, quase. Mas quando você diz isso pra gente de fora, especialmente para brasileiros, o que vem à mente é uma área rica, ou até um shopping ou condomínio fechado; afinal isso é o que vemos como áreas limpas.
E nada poderia estar mais distante da realidade. Longe de se parecer com um shopping center, boa parte das ruas japonesas parecem mais com um subúrbio brasileiro, só que limpo. Tão lá as placas meio velhuscas, a fiação se enovelando em barafundas nos postes, ruas alternadas de gente se alternando com ruas tranquilas, as lojas com araras no meio da rua; nos utensílios domésticos e ar condicionados apoiados na calçada, na quantidade de madeira nas construções, lembra até um pouco uma favela.
É uma diferença fundamental de conceito: enquanto um shopping e congêneres são limpos porque tem um monte de trabalhadores cuidando para que isso continue a ser verdade, as ruas japonesas são limpas, simplesmente, porque ninguém suja. Não é só que não tenha o exército de faxineiras de shopping com borrachinhas de apagar marca de sapato, não tem sequer tantos garis quanto as áreas centrais de cidades brasileiras, o que deu pra ver bem nas sakuras que caíam enquanto visitamos; as delicadas florzinhas, caindo na calçada, lá ficavam uma boa semana se acumulando antes de serem limpas. Faz todo o sentido: num dos países mais igualitários do mundo, gari também é um trabalho caro de se remunerar. E isso torna, claro, mais essencial ainda que ninguém, ninguém mesmo, taque lixo na rua. E funciona lindamente, sem lixeiras de rua exceto ao lado de algumas máquinas de refrigerante, máquinas cuja onipresença é outro fruto da sociedade em que pagar alguém pra vender refrigerante sai caro.
Essa limpeza generalizada, que hoje é tão característica do Japão quanto sushi e cerejeiras, é relativamente recente; começou com as olimpíadas de Tóquio em 1964, quando o governo, com apoio da imprensa (a grande imprensa japonesa é geralmente um tanto chapa-branca) resolveu que iria mostrar ao mundo uma nova e futurista nação, com as manchas da guerra (tanto a destruição quanto o militarismo) apagadas; parte desse se-mostrar incluiu a limpeza, e foi feita uma campanha coletiva em que centenas de milhares de toquiotas se alistaram como garis voluntários. E depois de limpa Tóquio, galera reparou que era agradável morar numa cidade assim; e o movimento se espalhou por todo o país.
O fato de todo mundo estar acostumado a limpar a própria sujeira, desde a escola, resulta também em coisas como banheiros públicos em que, ao invés do protetor de assento, vemos um paninho e um desinfetante, e a injunção ao usuário pra que limpe o assento depois de usá-lo (neste caso o sucesso foi menos total do que nas ruas; alguns banheiros de estação não eram tão limpos. Mas, pra banheiro de estação de trem, a média era bastante limpa sim.)
A limpeza das ruas japonesas não é só diferente da limpeza de um shopping center. É o contrário.
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