Saturday, March 19, 2016

19.3.2015 Moscou 14 a -4 graus, Altitude 156m

O último dia passado inteiramente em Moscou foi o dia dos restaurantes kitsch temáticos indicados pelo guia; também foi o auge da onda de calor, com suarentos 8 graus na lata. Começamos o dia indo, ali perto de nossa casa no subúrbio, num mcDonald's da velha Rússia chamado Yolki-Palki, na frente do estádio do Dínamo de Moscou (que fica no meio de um parque bastante denso, quase uma floresta rala com mais grama). O nome soa como um caipira falando, e o lugar tem toda a decoração pagando de cabana rústica no meio do mato, com direito a árvores de plástico, rodas, forno de barro fake... tudo que se possa imaginar. A comida, se não chega a ser McDonald's, é beeeem márromenos; a única coisa realmente boa era o kvass da casa, bem encorpado, com pedacinhos de pão boiando no meio. Depois desse começo um pouco broxa, saímos rumo à ponta oposta da cidade, isso é, ao museu de paleontologia. Ponta oposta mesmo; de metrô foi mais de uma hora, terminando numa estação mais austera e menos bolo de noiva do que as da era estalinista, o que significou que saímos da estação e rumamos pruma espécie de pizza hut genérico (como a comida do Yolki-Palki não era grancousa, tínhamos comido pouco), onde abastecemos os corpos de combustível e fomos andando, por um subúrbio beeeem do anônimo, rumo ao museu. Depois de alguns quarteirões, o lado esquerdo da rodovia parou de ter prédios e passou a ter floresta; neve suja derretendo estava em toda a parte. Mais um quilômetro, e um portão no meio da floresta, todo trabalhado em figuras de dinossauros, deixava óbvio que ali era o museu. Bem, isso e o imenso prédio de tijolo sem janelas que podia ser visto atrás dele.



O museu de paleontologia de Moscou, ao contrário do primo peterburguês, é interessante de visitar, não um armazém de bicho morto. Não é particularmente novo, nem renovado, mas a museologia, que devia ser radical pros anos 70, resistiu ao tempo. Os fósseis variados (de cnidários menores do que um dedo mindinho e microfósseis no microscópio até saurópodes gigantes) eram muito bem complementados por arte e explicações; alguns dos salões são dos mais bonitos de
qualquer museu de história natural que tenha visto (se bem longe ainda de se comparar em tamanho com os museus de NYC ou de Londres.). No meio do pátio interno, esculturas de bichos pré-históricos acumulavam neve em meio a escadas meio escherianas e fontes: imagino uma criança ali no verão. E falando em criança, tinha um monte no museu. Uma delas, um adolescente negro, ouviu-nos falando em português e se aproximou: ele era da Guiné Bissau, fazendo intercâmbio, e curtiu ver brasileiros por ali tão longe. Nem foi o único adolescente negro que vimos passar em excursões em museus - digamos que a proporção não é menor, e talvez seja maior, que numa escola de classe média no Brasil. 


Do remoto sul de Moscou, pegamos o metrô de volta rumo ao centro; já tínhamos entendido que a idéia original (ver o museu, o parque com o museu de arquitetura rural, e zarpar pro Centro) não seria possível pela distância, e resolvemos ir direto pro centro, ao lado de novo do parque Gorky, e pra lá fomos -  dessa vez sem se perder. Moscou segue a mesma divisão que em Piter: um museu pra arte do mundo, o Pushkin, e um pra arte russa, a Tretyakov, este dividido em dois prédios, um de arte até a virada do século vinte, e um de arte de 1900 em diante. A galeria nova, no meio dum parque de esculturas e a alguns quarteirões da velha (que não visitamos) é um imenso prédio modernista com uma marquise sobre colunas livres, mais amplo do que bonito. E um tico antes. aninhados sob a marquise, ao lado da entrada, alguns quiosques bastante grandes, com lojas de arte, artesanato, e materiais artísticos. Lá dentro, mais uma fonte desativada para o inverno; ô povinho pra gostar de fontes, e uma escadaria monumental ligando, sem retorno, todos os andares. Ô povinho pra gostar de escadas. As coleções têm bastante coisa da vanguarda pré e pós revolucionária, mais do que de realismo socialista; andando pelos salões quase vazios (chutando chutando, o Garage, com uma fração do espaço, tinha a mesma quantidade de frequentadores), encontramos salas de Malevitch (e ficou bem claro que até o próprio havia cansado do abstracionismo depois de um tempo), muitos surrealistas e simbolistas... a variedade é bastante grande mesmo dentro do realismo socialista; nem todos os quadros deste eram aqueles pôsteres de camponeses forçudos sorrindo. Também tinha, mas não era nem a maioria; na verdade a impressão que ficou é que dá pra resumir o "realismo socialista," debaixo seja da retórica stalinista seja da demonização ocidental, como "arte acadêmica que por acaso foi produzida num país oficialmente socialista." 
A nova Tretyakov, em seu parque de esculturas



Saindo da Tretyakov, um rápido café e chá para a Mari se aquecer um poucoe uns pãezinhos reforçaram o bucho para passear ao longo do rio Moscou. Pensamos inicialmente em seguir pela ponte pênsil, mas descobrimos uma esplanada ou parque linear ao longo da margem direita do rio, então seguimos por ali mesmo. A esplanada era simples, quase austera, com pistas de skate muito das discretas, vegetação ciliar mesmo, e caramanchões de madeira. Passamos por uma imensa e horrorosa homenagem a cristóvão colombo, uma estátua de navio com Grande Homem em cima ancorada no rio, e chegamos ao prédio art nouveau por onde se ascende à ponte de pedestres sobre o Moscou. Na ilha no meio, a antiga fábrica de chocolates tornada centro cultural, mas nessa não fomos porque achamos que o tempo se fazia escasso. No final, a igreja do Cristo Salvador, muito maior do que São Basílio e muito mais feia - é uma réplica atual duma igreja pseudomedieval do fim do século XIX demolida pelos bolcheviques. Passando pela igreja, toca a procurar o museu Pushkin - com uma certa pressa, já que nos demos conta da hora. Depois de nem se perder muito pelas ruas entramos no museu, correndo esbaforidos, e tocamos a procurar o Canaletto que queríamos muito ver. Sem suceso. Salão atrás de salão, impressionista, medieval, renascença, esboços de arquitetura fantástica, tesouro de tróia, ícones, 

Pera. Tesouro de Tróia. Sim, tava ali, o tesouro de Príamo, achado pelo doido do Schliemann (e com a história inteira descrita, inclusive o saque dos cofres nazistas em 45 e o tratado renegado pós-soviético). OK, é só um conjunto de arte da Ásia Menor protohistórica, menos impressionante em si do que o que vimos no Hermitage, mas as palavras "tesouro de Tróia" têm uma magia... enfim, fomos enxotados do museu (já virando experts nisso), ainda sem achar o bendito Canaletto. Para o último jantar, resolvemos dar outra chance ao guia, e corremos pro Genatsvale na Arbat, alegadamente um dos melhores restaurantes georgianos e, segundo o guia, barato. Escritor de guia deve ganhar bem. O restaurante é, de novo, uma kitchíssima reconstrução, dessa vez duma casa de família estendida nas montanhas da Geórgia. Em troca de não ser lá muito barato, a comida era realmente deliciosa - não tanto quanto naquele, mais simples, de S. Petersburgo, mas imagino que os músicos tradicionais e a manutenção da decoração sejam pra compensar isso. E mais água Borjomi.

Enfim, cansados, exaustos (o Pushkin havia fechado às nove), pegamos o metrô de volta pra casa, antes passando no mercado pra comprar um queijo preventivo pro trem no dia seguinte, 

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