Thursday, March 10, 2016

Introdução aos trens da Rússia (e Finlândia, que já foi Rússia)

Um dos saguões de uma das estações da Praça dos Komsomols
Tanto na Rússia quanto na Finlândia, a bitola é a russa, a meio caminho entre a padrão e a larga brasileira; isso significa trens de passageiros bastante largos; na União Soviética, meio que pra marcar posição, a definição dessa bitola foi "metrificada" pra 1,52m ao invés de 1,524m - mas a diferença é pequena o bastante pra composições rodarem nas duas. Em ambos os países também, os serviços de trem tanto de longa distância quanto metropolitanos são atendidos por uma companhia estatal. A finlandesa chama-se VR, que já quis dizer Valtionrautatiet, Ferrovia Estatal, e hoje só quer dizer VR mesmo. A russa chama-se РЖД, que ainda quer dizer Rassiyskie Jeleznye Dorogui, ou Caminhos de Ferro da Rússia. (Existe uma distinção entre "Russky", russo como etnia, e "Rossisky," russo como cidadão do país Rússia, e por isso Rossisky vira "da Rússia.") Geralmente é transliterado, inclusive no site da companhia, como RZD, mas pronuncia-se erre je dê.
Saída do metrô ao lado da porta principal da estação Helsinque
 Ambas também mantêm, ao contrário da maior parte dos serviços na Europa em climas mais amenos (e distâncias menores) os trens com leito. Na Rússia, são a única opção na imensa maioria dos serviços não-metropolitanos, com exceção de alguns trens bala ou quase-bala de curto percurso e de trens extra-baratos especiais de feriado; na Finlândia, convivem com as poltronas em muitos trajetos. As classes de serviço russas são

Estação Kazan. À direita, o terminal de elektrichki
Carro aberto, ou platzkart: são 48 leitos, dois dos quais na prática viram armário de lençóis. 16 beliches transversais ao trem, em nichos de dois em dois, e 8 beliches ao longo do corredor. Os leitos de baixo são escamoteáveis, com um baú sob eles onde se pode guardar as malas em segurança. O baú formado, com uns 60cm de altura, guarda facilmente a maior parte das malas. Deve dar pra estufar um par de cadáveres lá dentro. Aliás, um par de cadáveres estaria bem dentro do limite de carga por passageiro na RJD, de 214kg na cabine e 398kg no vagão-bagageiro. Existem duas opções extra-baratas pra customizar o platzkart: numa, você não ganha lençóis, na outra além disso vendem três passagens por beliche, para se ir sentado no leito de baixo. (Mas ninguém impede você de deitar no de cima se chegar primeiro.)
Plataformas da estação Kazansky
Cupê, em que os leitos longitudinais somem e os transversais são dispostos em verdadeiras cabines, com portas que podem ser trancadas (e geralmente têm um espelhinho). A vantagem, além de um pouco mais de privacidade, é que como uma parete de aço é mais fina do que um leito, você tem quase meio metro a mais de cama. A desvantagem é que se você pegar um mala, ele é todo seu ao invés de do vagão com mais 40 pessoas.
Há quem consiga dormir nos trens com poltronas
E, finalmente, vagão reservado, ou luxo, que é igualzinha à cupê, mas com camas ao invés de beliches, isso é, com duas pessoas por cabine. Tanto na cupê quanto na luxo, você tem a opção de incluir na passagem uma refeição por dia. Como os vagões-restaurante são negócios individuais, que não seguem um padrão e simplesmente alugam o vagão à RZD, isso é um tiro no escuro do caramba. Nós, por exemplo, vimos mais de um vagão restaurante bom, mas justamente o de quando tínhamos pago antecipado o "serviço de quarto" foi uma ROUBADA gigante.
Momento luxo, glamur, poder, sedução, e sacos de lixo sendo levados embora do trem

O relevo da Rússia e da Finlândia, tão plano que parece talhado pelo machado dos antigos deuses, significa que os raios de curva são monstruosos; o trem-bala pode correr pelo mesmo traçado dos trens convencionais. Isso também significa que esses trens convencionais podem ser bem rápidos; em alguns trechos, a velocidade média passava de 120 por hora. Pros 9882km entre Moscou e Vladivostok, o tempo do Rossia, o trem mais rápido que faz o percurso todo, é de 132h, uma média de 74km por hora - mas essa média inclui paradas de até 1h nas cidades maiores pelo caminho.

A passarela da estação Novosibirsk; tem também duas passarelas subterrâneas e outra aérea

Cada trajeto geralmente tem mais de um serviço. Os trens melhores são mais caros (uma cabine luxo num trem mais lento pode custar o preço duma cupê num rápido) e muitas vezes têm nomes, que fazem referência a alguma coisa das cidades atendidas, e decoração externa e, mais raramente, interna temática. Já falamos aí em cima do Rossia, que é o maior serviço do país e por isso ganha o nome. Também pegamos com nome o Italmas, que é uma flor símbolo da região do Volga, pra ir a Kazan. Tem muitos outros. Glória (De SPb a Volgogrado, ex-Stalingrado), Arktika (Moscou a Murmansk, no oceano ártico), Sibelius (Moscou-Helsinque), Oceano (de Khabarovsk a Vladivostok), Noites Brancas (de SPb a Vologda, não peguei a referência)... só entre Moscou e São Petersburgo são uma dúzia de trens com nome, incluindo o mais famoso de todos, o Flecha Vermelha. Alguns trens com nome também têm classes acima da luxo, com camas de casal, banheiro (de tomar banho mesmo) no vagão ou na cabine, etc.

Uniformes históricos da RJD
Mais ou menos metade da rede foi eletrificada, e quase toda a parte por onde passam passageiros; tudo pertence à RJD. É quase toda bitola larga, com a exceção da rede na ilha Sahalin (que tem bitola japonesa) e de algumas das muitas "redes" que levam minério ou lenha prum terminal; o tamanho total dessas redes, que não entra pras estatísticas oficiais, é mais ou menos igual aos 128.000km da rede da RJD. A maioria dos serviços regulares também pertence à empresa; há trens turísticos, um serviço de luxo entre SPb e Moscou, e as joint ventures com empresas estrangeiras nos trens internacionais.
Uma tabela de horários
Trens de carga são bastante frequentes em todas as rotas; os que vimos eram relativamente curtos na Rússia européia, e bastante longos na Sibéria, inclusive pelo menos um trem com mais de uma locomotiva. Ah sim, falei que não havia maria fumaça na transsiberiana, mas tem: locomotivas históricas bem conservadas servem de enfeite na frente de quase tudo quanto é estação maiorzinha (não incluindo paradas rurais ou suburbanas). Aliás a diferença entre as duas categorias de parada é bem difícil de delinear; electrichki, trens com cara de metrô com bancos duros e pegadores no teto, também rodam em percursos curtos em áreas rurais.
O modelo mais comum de locomotiva de longa distância hoje
...e ontem

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