| Parte antiga da estação, hoje salão de embarque e albergue |
Cazã oficialmente não é uma cidade de russos, mas de tátaros. Sim, aqueles mesmo. Mas você não diria isso no café da manhã, bem russo e bem de hotel pé de boi, com muito blini e muitos bolinhos. Da janela do hotel, o quintal na frente com neve até a altura duma pessoa. Na praça em frente muita neve, chegando a cobrir os bancos, mas também muita lama. Apesar dos bancos e de um coreto, não se parece tanto com pracinha de cidade de interior assim; é uma praça grande, em que se alinham o mercado central da cidade, a estação novecentista neorussa, a expansão alucobond, e uma nova estação só para os trens de subúrbio, que apesar de pós moderna é até simpática (e inspirada na arquitetura tradicional tátara).
| A estação inteira |
Chegando no Kremlin, (fomos a pé do hotel, nem é grandes caminhadas), a diferença entre o Tatarstão e a Rússia propriamente dita fica bastante óbvia: tem uma big motherfuckin' mesquita dentro do kremlin. Aliás é a coisa mais evidente dele, ao lado das próprias muralhas brancas e da colina em que está assentado. Subindo essa colina, pudemos ver diversos montinhos de agulhas de pinheiro, protegendo os canteiros de flores da neve invernal; a própria grama, apesar de um pouco queimada, já crescia forte. Logo na frente da entrada do Kremlin, abria-se a boca da estação de metrô de mesmo nome; estação de metrô, portões da cidadela, e tampas de bueiro compartilhavam o mesmo brasão, com um dragão.
| A mesquita e as muralhas do Kremlin |
O próprio Kremlin é menor, mas talvez mais bonito que o de Moscou; a escala dos edifícios de governo (como em Moscou, o treco não é propriamente uma fortaleza militar há vários séculos) é menor, menos opressora, e a decoração não chega no nível do brega. Falamos em brega? Pois a enorme mesquita que se vê de longe, a Kul Sharif, é breguíssima. Muito bonita, mas brega. E tinindo de nova, ao contrário do resto dos edifícios do Kremlin; depois da conquista pelos moscovitas, as antigas mesquitas haviam sido queimadas, e proibida a construção de novas mesquitas a norte do canal que cinde a cidade uns dois quarteirões a norte de nosso hotel. Dava pra saber disso no museu do subsolo, bem mais interessante do que a maioria dos museus de igreja, que não era simplesmente da própria mesquita ou de arte religiosa, mas também da história do islã na Rússia em geral e no Tatarstão em particular. Além do museu, podia-se subir por uma escadaria até, lá em cima, uma varanda da qual se via a sala de oração, fechada fora dos horários de culto. Aproveitando que era obrigatório cobrir a cabeça para entrar na mesquita, Mari comprou um chale tátaro de uma das barraquinhas que se alinhavam entre a mesquita e o que um dia foram as cavalariças, hoje Academia de Letras do Tatarstão.
Além da Kul Sharif, outra marca, digamos, antirussa, ou antimoscovita, na cidadela é a Torre da Princesa, da qual uma princesa teria se jogado após a conquista para não ter que se casar com Ivã, o Terrível. Se non è vero, è bene trovatto... mas independentemente de contos de princesas, a torre em si vale a pena, de tijolo vermelho, alta e maciça, com uma feérica porta de ferro trabalhado com o sol e a lua. Ao lado dela, entra-se num pedaço do palácio presidencial (o Tatarstão, apesar de fazer parte da federação russa, é oficialmente uma república, não um estado) onde está o museu histórico do país; pequeno mas nele tinha, entre trajes e mapas, um édito imperial da Horda. Não de uma Horda, dA Horda. Curti. Mas o Kremlin também conserva a memória do período, mais longo, sob ocupação ortodoxa, com uma catedral (e um belo pátio, coberto de neve, na frente dela, com "ninhos" em volta dos bancos para proteger quem se sente dos ventos da estepe) e outras capelinhas menores.
Saindo dos museus, fomos encarar o vento da estepe de novo (e nós achávamos que Bóreas era mau), para sair do Kremlin pela parte que descia para o Volga, não sem antes dar uma bisoiada, do alto das ameias, na quase-baía que o rio faz na frente da cidade, e nas tumbas dos cãs mongóis preservadas. Saindo e margeando a muralha, e quase se estabacando no gelo sob elas (imagina pra quem tivesse tentando escalar, com brucutus jogando pedras de cima), acabamos entrando numas ruazinhas oitocentistas, todas cheias de prédios vermelhos e um ou outro grafite e pixo (principalmente em bancas ou outros objetos que não fossem oitocentistas; os próprios prédios mais antigos escapavam de pichações), até descer (literalmente; a Rússia é imensa e plana, mas as cidades ficam justo onde tem uns morrinhos) para uma avenida de pedestres que - o guia informava - era a rambla ou praia de Copacabana de Cazã. Passeando por ela, que continuou bem cheia entre 3 da tarde e 10 da noite, fizemos compras (um vestido e dois casacos por 80 conto), buquinamos (um livro aguanabocante de comida da URSS era tentador, mas devia pesar uns 3kg), comemos (mal, numa stolovaya), vimos mais uma torre (oitocentista, e bem mais elaborada e barroca do que a da princesa no Kremlin), mais uma igreja (decorada com azulejos), passamos pelo mercado central (com especiarias de tudo que é tipo) e finalmente fomos simbora pro hotel, onde fizemos a limpa nas próprias roupas. Digo, literalmente. Aproveitando o espaço enorme do quarto, a água russa que sai fervendo da torneira (fervendo "queimadura de bolha na mão"), e a secura do aquecedor gigante, lavamos tuda na mão mesmo, e penduramos pelo quarto e banheiro.
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