Tuesday, March 29, 2016

29.03.2015 Listvyanka -5 a -10C, com sensação térmica de Frio pra Cacete, Altitude 460m



Já um pouco melhor das dores (a banya com choque térmico e açoite de bétula realmente é mágica), acordamos, tomamos café da manhã (manteiga, creme, e mel no pão preto), e fomos descer a rua rumo ao Baikal. A rua poderia ser uma rua de cidadezinha de qualquer lugar do mundo pela maior parte; só uma ou duas casas eram de estilo particularmente russo. Numa dessas, tomamos um susto porque pulava e latia para nós um cachorro. Bem, acho que era um cachorro, porque urso não late. Acho. Mas o bicho tinha fácil mais de 1,20m de altura nas quatro patas, e era mais largo que um pitbull, além de peludíssimo. E a cerca, pequena e meio podre; o que nos salvava (fora, acho, que ele queria só latir e não devorar) era a corrente em volta do pescoço do bicho.
Em cima, a neve fresca; embaixo, 7m de gelo, mais transparentes que a janela do seu quarto

Depois do susto, chegamos enfim ao Baikal e... tinha caído muita neve logo antes, então ele estava
branco como um lago congelado normal, ao invés de transparente. Foi ligeiramente decepcionante, mas nem tanto, já que nenhum dos dois nunca tinha visto um lago congelado. Antes de nos aventurar andando sobre as águas, resolvemos catar dinheiro vivo pro que desse e viesse, e andamos à procura dum banco e do escritório de turismo da cidade, pra catar um mapa; acabou que o banco era no escritório de turismo (e defronte ao hotel mais feio do mundo).

Andar sobre as águas congeladas (e era só bater um pouco a neve fresca que se via o gelo transparente embaixo, e as abissais e negras profundezas) é uma experiência incrivelmente "gringo na praia" para dois brasileiros, desacostumados até com gelo comum. Andávamos pé ante pé, tomando cuidado para se firmar bem, tentando detectar algum movimento sob nossos pés... enquanto a alguns metros crianças corriam, galera fazia churrasco, outro punha pra tocar música brega de uma porcaria de CAMINHÃO estacionado. Mas o medo instintivo olhando para as águas negras sob o gelo não largava mão, e continuamos andando a passo de cágado.

Resolvemos comer, e fomos primeiro na feirinha onde se assava peixe na brasa e comia peixe seco também, mas não apeteceu tanto; ao lado, tinha um show de focas, mas escrúpulos falaram mais alto, e deixamos pra lá o show (até porque sabíamos que tinha o aquário, sério, pra olhar depois. Indo e vindo (e congelando), acabamos entrando num restaurante que pareceu simpático. O restaurante era especializado em peixe, e pedimos à garçonete-caixa-acho-que-devia-ser-irmã-da-cozinheira um prato com filé de esturjão com creme e pinhões de cedro-da-sibéria, e um prato de omul en papillotte com legumes - omul sendo um peixe incrivelmente gordo e gostoso que só dá no Baical.
O mapa do Baical, e a maquete das águas do lago
Do restaurante, seguimos para procurar o museu de estudos locais. Que não devia ser longe, numa cidadezinha dessas, né... é claro que a cidade tem pouca gente, mas tudo estendido ao longo da estrada e nos valezinhos, que entre o último valezinho antes do museu tem um esporão de rocha e portanto vários quilômetros, e que o vento gelado que chegava em nós depois de passar pelo maior e mais límpido cubo de gelo do mundo tornava tudo mais agradável. Enfim... depois de algumas horas de sofrimento, chegamos enfim ao museu, que ao lado tinha um pequeno jardim botânico especializado em flora local. "Flora local" significa (sim, a gente foi passear pelo jardim, que não tinha catraca nem nada) basicamente 587 variedades de bétula e espinheiro, e uns pinheiros. Curioso foi que ao longo de todos os caminhos de madeira (imagino que o degelo seja violento) que trilhávamos tinha lá o cano de incêndio do tamanho da minha coxa.
Tenho quase certeza de que na placa estava escrito "mi-go."

O museu-aquário em si é interessante, com muita coisa sobre o lago, um simulador de batisfera descendo ao fundo do lago, toneladas de informações sobre geologia e limnologia (menos sobre antropologia e história), e, finalmente, o aquário. Com uma pá de bichos exóticos das profundezas e, de grand finale, o pedaço de tanque (tem uma área maior isolada dos humanos xeretas) onde duas nerpas, as focas do Baical e únicas focas de água doce do mundo, se exibiam. Pareciam duas bexigas enormes, desengonçadas na terra, ou dois barba-papas... mas na água as bichas viravam de repente acrobatas. Todas as crianças, que tinham russamente obedecido as placas de "silêncio" no resto do aquário ignoravam as mesmas placas na frente das nerpas, claro. E na saída, tivemos de comprar uma nerpinha de pelúcia da cameloa que fazia as vezes de lojinha do museu...

Já estava na hora de voltar pra Irkutsk. Aliás, se voltássemos a pé, já estaria na hora de perder o trem. Então ficamos esperando um táxi. E esperando. Ou carona, servia. Esperando. Meu deus, que frio. Esperando. Porra, aqui tá escrito "ponto de táxi," cadê. Esperando. Enfim, apareceu nosso redentor, um táxi pirata com uma placa de táxi de Los Angeles amarrada no rebatedor pra poder esconder se pintar polícia. O carro, um carrão japonês rebaixado, com vidro rachado. Vai tu mesmo. Pegamos, passamos no albergue, fizemos check-out, e toca pra Irkutsk. A ideia original era passar na volta num museu de casas rurais, mas depois de ver como Thuin ficou na ida, nem pensamos nisso; a prioridade era chegar em Irkutsk e, de preferência, achar uma massagista. O sujeito não decepcionou: corria que nem um doido, fazendo ultrapassagem em curva e tudo. Curiosamente, pro Thuin isso foi melhor do que a ida, porque se demorou meia hora foi muito. Mari, em compensação, quase teve uns quinze ataques cardíacos. Chegamos na estação, deixamos as malas no armário, e fomos à busca da massagem que tínhamos visto no tripadvisor. Pegamos um táxi, oficial desta vez, e... pqp, o doido está correndo nas placas de concreto do trilho do bonde. Placplacplacplac e lá se vai o pescoço. Enfim. E quando chegamos no tal hotel com a massagem maravilhosa, depois de muito rodar (o nome na placa não era o mesmo do tripadvisor), só amanhã. Mas a moça sugeriu a massagem da loja da L'Óreal (pela qual tínhamos passado umas 3x), então lá fomos. Pelo menos a procura serviu pra dar uma bisoiada em Irkutsk, que é realmente bastante bonita, pena que com tão pouco tempo. Enfim. O massagista da L'Óreal realmente era muito bom, deixou Thuin quase parecendo gente, e ainda tínhamos tempo de jantar. Por sorte, ali perto tinha um restaurante de comida mongol (estávamos a um cuspe, em termos russos de distância, da Mongólia), e nele fomos. A comida não é muito imaginativa (basicamente variações de empadão e guioza de carneiro e boi), mas muito gostosa; a decoração remete à Horda de Gênghis Khan, com direito a armaduras nas paredes; o chope é duma cervejaria chamada DRAKON. Enfim. Mais um momento "estou dentro de uma capa de disco de metal." E pra completar, na saída estava começando uma tempestade de gelo, daquelas em que a chuva cai no chão e já vira gelo, ruas viram ringues de patinação, e mesmo em lugares como no norte dos EUA e Canadá ninguém sai de casa. Os siberianos doido tuda fazendo trottoir. Com medo de outro táxi, pegamos o bonde até a estação, chegamos em cima da hora, corremos, iáaaa e entramos na nossa cabine de primeira classe, em que ficaríamos sozinhos pelas próximas 60 horas (Bendito Dostoiévski.) O trem partiu, em meio à tempestade de gelo, comme si de rien n'était.



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