Thursday, April 28, 2016

28.4.2015 Tóquio 18 a 24C Altitude 6m



Bem, chegou. Último dia. Os planos de inda fazer alguma coisa pela manhã sabotados pela Lufthansa, que tinha trocado o vôo de 8 pra 4 da tarde. Mari foi comprar a última encomenda (uma botina de pedreiro. Sério.) enquanto Thuin fazia a fisioterapia, e fomos lá pro aeroporto. Pra isso, ao invés do caminho mais rápido com um trem Bakurocho - estação Tóquio - Aeroporto, pegamos Bakurocho - Hamamatsucho- monotrilho até o aeroporto. Só pra ter as últimas vistas da cidade, já que o trem é terrestre ou subterrâneo. Não que sejam vistas muito espetaculares, na maior parte; o monotrilho é todo a partir duma área suburbana mas de prédios altos, então só se vê o que está por perto, até o momento em que ele vai pra baía pra chegar no aeroporto, passando por áreas do porto e industriais (inclusive a estação de tratamento de esgoto) no caminho.

O aeroporto de Haneda se orgulha, descobrimos na wikipédia quando procurávamos qual o melhor caminho pra nós, de ser o mais pontual do mundo, com mais de 85% dos vôos saindo com menos de 15 minutos de atraso. Tentamos imaginar a reação dum funcionário da JR ou da RZD se falassem que 15% dos trens do Japão ou da Rússia sairiam com mais de 15' de atraso. Acho que envolveria pistolas ou cianeto. Ao contrário das estações do monotrilho, super simples, o aeroporto é imponente, bem mais plástico que Narita, com uns panos de concreto parecendo lonas enormes penduradas. Enfim, chegamos e fomos pra fila de embrulhas as mochilas. Que não andava. E não andava. E não andava... ficou um na fila e o outro foi procurar o uísque (uísque japonês é uma delícia, e queríamos trazer umas garrafas), mas naquele terminal enorme não tinha um mercado em que vendesse. E a fila não andava do embrulho. Acabamos entregando as mochilas sem empacotar mesmo. Passados os controles, fomos procurar uísque de novo, e finalmente encontramos - mas a loja não tinha o saquinho lacrado que permite fazer baldeação com o líquido. Ou seja, só se fosse pra zerar nas doze horas até Munique.

Pegando o avião (infelizmente não na janelinha, muito infelizmente já que o avião vai até o oceano ártico pra voar Japão-Europa), Thuin descobriu que se tinha doído na ida, com semanas fazendo fisio e massagem todo dia antes, a volta... a pele ficou queimada de tanto usar o aparelhinho de choque. Mas pelo menos, em Munique, achamos uma massagista no aeroporto, que deu uma segurada (pra ser exato, no Hilton do aeroporto. Chic. E na Alemanha massagista não te manda ficar de cueca, mas pelado mesmo.) A dor foi tanta que deu pra ver o Hobbit 3 inteiro sem dormir, o que deveria ser impossível.

E é isso. Cabô. Espero que dê pra voltar um dia. Quem sabe no outono.

Wednesday, April 27, 2016

27.4.2015 Tóquio 17 a 21C Altitude 6m

A fachada original da estação Tóquio


Penúltimo dia da viagem, e já batendo a saudade antecipada. Também, a responsabilidade por arrumar as encomendas que nos tinham feito, e as compras que tínhamos deixado "pra depois." Como se depois fôssemos ter todo o tempo do mundo... a primeira tentativa foi da pescoceira para a mãe de Thuin, que estava precisando duma. Não conseguimos achar revendedor, mesmo com a ajuda da simpática moça do albergue. Na verdade, parece que, ao contrário do Brasil, não se compra produtos desse tipo em lugar nenhum no Japão; se você precisar, o hospital que vai fornecer. (Do seu plano; Japão não tem SUS, tem plano obrigatório, como EUA agora com Obamacare.) Por via das dúvidas, inda fizemos duas tentativas: uma na loja de departamentos em cima da estação Tóquio, outra num hospital (São Lucas) em Tsukiji, antes de irmos pro mercado de peixes, ao lado dum templo budista com cara de Índia Britânica, erguido nos anos 30. (A plaquinha do outro lado da calçada, ao lado da saída do metrô, explicava.)
O templo de Tsukiji

O mercado de Tsukiji é atração turística principalmente pelos leilões de atum, mas não tínhamos ido lá pra isso porque, né. Cinco da manhã. Então o que nos interessava era mais a auréola do mercado. Explico: o mercado propriamente dito é um centro de distribuição atacadista de peixes, servindo Tóquio (obviamente) mas também em alguma medida a ilha de Honshu inteira. Ou seja, você pode entrar (segurança no Japão é em geral infinitamente mais relax que no Brasil), mas lá dentro só vai poder ver, meio de longe, os peão mexendo com lotes grandes de peixe. Meio de longe porque aquilo é uma área comercial-industrial, não de turista, e se você chegar muito perto pode ser jogado no caminhão frigorífico, e acordar num prato em Okayama. Mas encostado nesse grande mercado tem o Jogai, o mercado exterior, que é um dédalo de lojinhas de produtos de cozinha, frutos do mar, e legumes, mais restaurantes de sushi logo do lado de fora dele, do outro lado da rua, tem um Sukiya e um McDonald's, presumivelmente pros trabalhadores do mercado que não curtem peixe; o McDonald's foi providencial pra ir ao banheiro.) Na real, também tem um monte de restauranteszinhos de ramen e gyudon, alguns, bem baratinhos, então por que alguém insistiria em ir no Sukiya ou McDonald's, não entendemos.
A sala principal do mercado atacadista de Tsukiji

Passeamos um pouco, pelo mercado exterior, e fomos bizoiar o principal, com sua longa galeria. E aí resolvemos ter uma ideia um pouco idiota: atravessá-lo pra chegar ao Hama-Rikyu, o jardim que mistura jardinagem japonesa tradicional com os últimos pedacinhos de pântano salgado que sobraram em toda a baía de Tóquio, e que é vizinho. Idiota porque A) o mercado é MUITO grande, e um pouco labiríntico (rapidamente nos demos conta de que não tinha mais nenhum turista em volta e que provavelmente não deveríamos estar lá), e, mais importante, B) o mercado NÃO TEM SAÍDA para o jardim. Só pro norte, pro mercado varejista (uns puxadinhos e barracas, fazem com que, na verdade, você não veja muito bem onde termina um e começa o outro) e pro noroeste, pra via expressa. E um cais, se a água da baía fosse mais limpa e fosse verão talvez pudéssemos ir nadando, né. Enfim, olhamos o jardim por uma fresta na cerca de aço corrugado, muito bonito, e toca-lhe a voltar a pé. Mari já azul de fome e mal-humorada.
Uma das maquininhas de transportar peixe. Não tem transmissão, gira-se o motor-tambor junto.

Entramos, enfim, no restaurante de sushi que pareceu mais simpático, e pedimos um par de menus degustação. Minúsculo, o restaurante, com um balcão só sem mesas. Idade média dos clientes lá pelos 60. Thuin estava apertado então foi ao banheiro antes de se sentar; o banheiro era pequeno e simples, com os produtos de limpeza guardados numa prateleira sobre o vaso, mas limpíssimo. E voltando, ao balcão, começou o festival do sushi. Não de quantidade (foi uma refeição razoável, mas não farta), mas de deliciosidade deliciosa. O sushiman (que adorou o fato de sermos brasileiros, explicou que o melhor amigo dele era brasileiro, e fazia as vezes de tradutor entre a gente e nossas vizinhas de balcão, que nos perguntavam se a viagem daqui pra lá não tinha sido cansativa) nos deu ouriço, sardinha, enguia (achei que era unagui, ele corrigiu "anago," enguia marinha, e não a de rio)... a "estrelinha" barriga de atum não era melhor do que nenhum dos outros. Até o sushi de omelete, de mil camadas com um molho doce ralo, era uma delícia.
Salut Maman

Na saída, passando pelas lojinhas de utensílios, mantivemos heroicamente a ilusão do "depois a gente vê" pra depois se arrepender de não comprar algumas coisas. Só Mari que insistiu em dar pra Thuin uma faca da loja de facas, de aço de Damasco. Fomos embora, naquela felicidade pós-comida da Virginia Woolf, e direto prum lugar que talvez fosse o oposto do clima "povão" de Tsukiji, a torre Mori.
A saída do metrô na torre Mori

A torre Mori é o núcleo dum empreendimento imobiliário, Roppongi Hills, que apagou boa parte do que costumava ser, digamos, a rua Augusta de Tóquio, um bairro meio mal afamado frequentado por marinheiros, pra instalar um complexo com todos os tipos de atividade. São várias torres residenciais e, no meio, uma torre gigante com escritórios, hotel, arena, shopping center de luxo, restaurantes, centro de convençoes, jardim, e dois museus. Sim, dois. O efeito é brutal, se menos agressivo do que um equivalente no Brasil seria porque não tem muros, concertinas, e seguranças. E o jardim é pequeno, mas além de lindo feito pra que você dentro dele até se sinta num parque de verdade.  Nós íamos ao museu mais metido a besta, que fica no quinquagésimo andar da torre; um elevador só pra os museus dá a impressão, pra quem está no chão (bem, "chão" - já é uns oito andares acima da rua. Mas a saída de metrô dá nesse espaço aberto, com o jardim ao lado e uma imensa Maman posta de guarda), de ser uma torrezinha independente. Só impressão; a "torre" se mistura com o corpo principal, leviatânico, lá pelo décimo ou vigésimo andar, e saímos numa galeria ampla como se o elevador fosse interno, normal, num piso que tem chapelaria e lojinha para ambos os museus; no mais popular, a que não fomos, estava tendo uma exposição sobre Naruto.
O jardim de vilão cyberpunk podar rosas

A exposição que fomos ver chamava-se "Simple Forms" (assim, em inglês), e era a coisa mais moderna (no sentido específico, daquela modernidade que já vai desaparecendo) do mundo, além de resvalar perigosamente perto do clichê de japão clean, não fosse, pelo contrário, uma exposição com obras de todo o tempo e espaço humanos, desde que pudessem ser descritas pelo título dado à exposição. Não apenas obras feitas para serem objetos de arte, mas também litogravuras da Encyclopédie, uma hélice de biplano em madeira, pedras coletadas por um monge zen, Quase tudo muito foda; era uma exposição praticamente sem "lado B," sem coisas que você olhasse e "ah tá, deixa ver a próxima sala." Uma instalação em particular, um site specific, fez com que Mari ficasse uma boa hora olhando: era um pano de filó, levantado e abaixado de forma ritmada por jatos de ar, com a janela atrás mostrando a cidade inteira - e inda por cima estava no cair da noite. Na saída da exposição principal, ainda foi interessante uma sala menor com uma exposição de fotografia; eram torii erguidos durante o império colonial japoneses, fotografados hoje em dia. Nenhum tem o santuário shintô mais associado; um está no meio de uma favela, outro num campo vazio, outro numa rua, outro ainda num parque.
Composição com filó e Tóquio

Na saída do Mori, passamos no atelier de Joel Robuchon pra comer um dos melhores e mais caros croissants possíveis, recheado de creme e morangos frescos (jantar propriamente no restaurante seria pra bolsos um tico mais fundos), e fomos correndo para Ueno pra achar coisas que tínhamos prometido comprar, mais presentes pras crianças (tínhamos resolvido não trazer presente pra adulto nenhum). De lá, já exaustos, Thuin mancando de novo, voltamos pro hostel e fomos jantar ao lado, num restaurante nepalês recomendado pela moça do balcão, um pouco mais tchuns que o da velhinha do primeiro dia mas ainda razoavelmente simples. Com curries que queimavam a língua e cervejas nepalesas e indianas geladas pra tentar amainar, e um pão de alho que lembrava vagamente um naan.




Tuesday, April 26, 2016

26.4.2015 Tóquio 14 a 20C Altitude 6m



Nosso penúltimo dia inteiro da viagem, e resolvemos fazer o dia de criança, indo no museu marítimo (já que o de Osaca, que parecia mais bonito, fechou as portas), na "ponte futurística," e no museu de ciências, todos na ilha de Odaiba, que foi construída para ser parte do porto de Tóquio, mas virou cidade quando os navios foram crescendo e o porto, por isso, se deslocando pra partes mais fundas da baía.

A tal ponte "futurística" é um belo dum projeto de marketing mais do que qualquer outra coisa; o yurikamome é simplesmente um metrõ sobre pneus, como os de Paris, sem maquinista, como os de São Paulo. Não que não tenha sido um passeio interessante de Shinagawa a Odaiba, mas isso foi simplesmente por ser um trem elevado em viaduto muito alto, em espaços em que se tinha belas vistas da baía e da própria Tóquio vista "de fora." Espaços com um pouco de cara de Barra da Tijuca com trem e sem muros, é verdade: grandes condomínios e instalações comerciais, ao invés de prédios "comuns," divididos por jardins baixos.  O museu marítimo é algo inacreditável: enquanto o de Osaca era um prédio belíssimo do IMPei, minimalista, o de Tóquio é simplesmente uma cópia de um navio de passageiros. Tipo carrocinha de cachorro quente em grande escala. Com uma entrada de mármore com colunas, com cara de iate clube, no meio do "casco" do navio. Bem, mas a gente não tava lá pela arquitetura, então... demos com a cara na porta. Não fechou de vez como o de Osaca, mas estava fechado para reformas. Passamos na lojinha, que vendia basicamente kits de montar e livros sobre guerra naval, e voltamos ao yurikamome para chegar ao museu de ciência, o miraikan. Antes de entrar neste, comemos no food truck que tinha em frente; um picadinho de galinha com dez toneladas de maionese que estava gostoso, mas não tanto que justificasse as 35h que passamos na fila. O chopp artesanal do outro food truck, quase sem fila, era mais interessante.

Miraikan pode ser traduzido como "Museu do Amanhã" e, assim como seu xará carioca, o toquiota tem um globo-led com informações sobre o mundo no lobby. Só que tanto globo quanto lobby são bem maiores, há telas para se escolher alguma informação (e entrar pra fila, claro, não ver na mesma hora), e... há esteiras e almofadas no chão do lobby, em que toca uma música suave. É impossível não deitar pra olhar,  e bem difícil não dormir... o resto do museu tem um foco mais em novíssimas tecnologias do que em ciências em geral; pra gente foi bem interessante, inclusive a inevitável robô que conversa, mas para crianças talvez fosse menos legal do que um mais interativo. Uma sala que adoramos foi uma que reproduzia o super-Kamiokande, o grande detector de neutrinos japonês, e era ligada a ele de tal forma que quando uma célula do Kamiokande detectasse a passagem de um neutrino, a célula equivalente na sala do Miraikan se acendia. Entre a reprodução quase perfeita (se em menor escala), saber que era em tempo real, e o abafamento sonoro, a sensação, pelo menos prum nerd, era bem mágica.

De volta ao Yurikamome, ao trem, e... a Ueno de novo. Entre ter visto meio correndo e não ter podido tirar fotos, queríamos visitar o pavilhão de arte japonesa de novo, e aproveitamos para visitar também o museu nacional de arte ocidental - que é bastante interessante, sem ser enciclopédico.  E do museu pegamos a linha Yamanote direto pra Harajuku, para ver "os adolescentes doidos," os cosplayers, lolitas, bosozokus e outros exóticos do parque Yoyogi. Chegamos já no crepúsculo na estação Yoyogi, uma estação com cara de chalé suíço e massas enormes de rododendros plantados em volta, e tentamos ver se inda dava pra bizoiar o santuário Meiji, mas as portas tinham acabado de fechar. De lá, fomos pro parque, onde um monte de gente encerrava seus piqueniques. Muito poucos cosplayers, tanto no parque quanto nas ruas em volta, mas uma infinidade de turistas. Acho que tinha muito mais gente lá para ver os adolescentes vestidos de forma exótica do que os próprios. Passeamos um pouco pela área, onde tinha uma infinidade de butiques espalhadas por uma infinidade de ruelas, de pedestre ou só estreitas (daquele modelo de rua japonês com uma faixa de carro e uma listra no chão delimitando uma faixa de pedestres de 1m de largura), das mais povão às mais requintadas, comemos num café apertadinho um engana-fome, e pra voltar pegamos a estação Shibuya - aka "aquela esquina com a multidão inimaginável de gente."  E um trem velho na frente, usado pela prefeitura de Shibuya (os distritos de Tóquio são como se fossem cidades, lembrando) como guichê de informações turísticas. Não nos pareceu o melhor lugar do mundo - pra pedir informações ao funcionário, você tem que se segurar na janela pra não ser levado pela multidão, praticamente. E por mais que japonês fale baixo, o barulho dessa multidão é como de mar batendo na praia. Isso às oito da noite dum sábado...

De Shibuya, voltamos pra Shinagawa (mesmo lugar onde pegamos o yurikamome pra Odaiba) pra pegar o trem-bala rumo a yokohama e ao museu do miojo. Ou melhor, o Museu do Ramen de Yokohama. Já que o trem só sairia dali a 11 minutos, inda nos demos ao trabalho de reservar os assentos na primeira classe (bem, também porque Thuin já tava mancando por conta da coluna, e a cadeira melhor, mesmo que por, bem, outros 11 minutos, ajudaria). O "museu" na verdade é um grande cubo de concreto, dentro do qual tá reproduzido um bairro popular da metade do século XX, em três andares. (Não deixa de lembrar vagamente uma favela brasileira.) Nas "casas," 16 dos melhores restaurantes de ramen do mundo instalaram filiais; você compra tíquetes para comer neles em máquinas parecendo máquinas de venda dos anos 60. Infelizmente, chegamos com pouco tempo antes de fechar (pelo guia, parecia que ele fechava para entrada às 10 e se tinha uma hora então, mas não, 10 era a hora de fechar tudo), então só pudemos comer em dois deles; um com comida do Tohoku, no norte do Japão, e um que fazia uma fusão com comida francesa. Ambos deixaram bem claro na sua untuosa deliciosidade que infelizmente não é modo de dizer. Com mais tempo, dava pra ter comido em todos os 16, e voltado pra Tóquio de trem de carga. Na volta, paramos um pouco numa livraria que ainda estava aberta e tinha diversos mangás por apenas 100 ienes; compramos um par, e fomos pra estação... quando nos demos conta de que tínhamos deixado a gravura comprada no museu nacional para o pai de Thuin na livraria. Mari voltou correndo pra livraria enquanto Thuin esperava com a mochila na porta, e os dois entraram literalmente no último trem da noite na direção de Tóquio, morrendo de medo de ter que dormir no banco do saguão.



Monday, April 25, 2016

25.4.2015 Tóquio 15 a 20C Altitude 6m



A manhã já começou feliz, com os pães da padaria de Shinjuku. E cedo, porque iríamos ao parque Ueno, onde tem mais museu do que gente. A estação Ueno já é interessante porque consegue ser ainda mais puxadinhesca do que as outras grandes estações de Tóquio; havia lugares em que Thuin literalmente batia a cabeça no teto. O parque é, bem, mais ou menos um parque. Não é muito grande (um pouco maior que o Parque Vila Lobos de tamanho, um tanto menor que o Aterro do Flamengo), e tem um templo, um zoológico, uma sala de concertos, e quatro museus bem grandes (no Brasil, só o Museu Nacional seria parecido de tamanho, ou o Pavilhão da Bienal), mais uns outros prédios menores. Então, de verde mesmo o parque tem faixas não muito largas, de uns 80 passos, entre o pátio central (com uma bela e comprida fonte, e no qual estava rolando um festival de bandas teen e comida) e os museus todos. Ah sim, e nos únicos trechos verdes maiores, inda conseguiram pôr num um restaurante chique, noutro um monte de barraca de sem-teto. De novo: o parque não dá o Aterro do Flamengo, e conseguiram fazer caber isso tudo.  Naquele final de abril, a última cerejeira florida do Kantô estava lá também, em cima dum bueiro decorado com cerejeiras.

Fomos primeiro no museu nacional de história natural, com uma baleia azul de resina e uma locomotiva antiga de verdade do lado de fora. A exposição temporária era cara e já íamos gastar bastante tempo na permanente, mas nos sentimos no dever cívico de comprar o ingresso incluindo ela, porque era sobre a Amazônia brasileira. Entrando no museu, descobrimos que ele está sendo reformado; ao invés de fechar tudo, fecham e reformam uma sala por vez, então inda foi bem interessante. Curioso, porque alternavam-se salas à antiga (como as de que falamos no museu zoológico de São Petersburgo, lá no começo da viagem) e exposições modernas, muito mais legais. Na parte de biologia, uma sala tinha a "árvore da vida," ligando por fios luminosos que  percorriam o chão todos os tipos de seres vivos. N'outra, a da história da civilização japonesa, "famílias" de manequins vestidos e com utensílios de todas as épocas da pré-história remota até os anos 80. (Essa era a parte em que as crianças mais faziam oh e ah, depois dos grandes fósseis.) Na parte moderna sobre ciência e evolução da ciência, havia muitas dobradinhas objeto relevante- texto histórico sobre ele, com textos históricos belíssimos em japonês e chinês. E no final, a inevitável lojinha de museu, na qual dava vontade de comprar tudo "pras crianças," claro. (Acabamos ficando só com um celacanto de pelúcia e um livro de peixes em raio-x.)


Saindo do museu de história natural, já era hora do almoço, e almoçamos ali nas barraquinhas mesmo. Um curry (curry mesmo, indiano, não carê), um yakissoba beeem yaki, e uns yakitoris; muito curioso, prum brasileiro, é que as trocentas barraquinhas e buzilhões de pessoas comendo não tinham, no meio, nenhuma lata de lixo. Você pegava a comida, ia pras árvores comer, praguejava porque o vento tentava virar sua comida, pedia mais um par de hashi porque o vento tinha conseguido, e aproveitava pra pedir outro espetinho, e voltava pra barraca com seu lixo, pra que eles jogassem na própria barraca. Algumas barracas eram mais interessantes do que as que escolhemos, como uma de comida okinawana ou outra com linguiça de pato, mas as barracas interessantes tinham filas quilométricas. Talvez se o que desse pra assistir da fila fosse algum outro tipo de evento que não um concurso de bandas adolescentes de pop açucarado...

O museu nacional não é um prédio, mas um conjunto de prédios dentro de um subparque, separado do parque principal por uma grade alta. Compra-se o ingresso, ou melhor, o "passaporte" (tem cara de passaporte mesmo, e te dá direito aos outros museus do parque Ueno também), numa bilheteria na grade, e lá dentro a deambulação é livre. Em volta da praça central, com uma canforeira enorme, tem, em sentido horário a partir da grade:


  • barraquinha de hambúrguer e sorvete
  • Pavilhão de exposições temporárias (um prédio com cara de indiano via inglaterra, do começo do século XX)
  • Pavilhão de arte japonesa (um grande prédio de concreto com detalhes japonistas, também Meiji)
  • Pavilhão de arte asiática (um prédio brutalista, quase minimalista)


Mais atrás, dois prédios mais contemporâneos e leves abrigam, um, menor, os tesouros do templo Horyu-Ji, e outro, do tamanho do pavilhão de arte japonesa, o museu de arqueologia (que estava, infelizmente, fechado quando fomos).


Iniciamos nossa visita pelo pavilhão de arte asiática, até pela idéia de que seria mais antigo, e com influência sobre a japonesa que veríamos depois desde o começo (não foi inteiramente verdade; enquanto o pavilhão de arqueologia estava fechado, separaram uma ala para algumas obras do período Jõmon, pré-histórico). A seleção tem bem mais Sudeste Asiático do que imaginávamos, inclusive o bonitão da foto acima, e bem menos China. Ainda é coisa pra caramba de arte chinesa, mas o que pensamos foi que a arte chinesa, que foi a principal influência artística e filosófica no Japão durante mais de mil anos, seria completamente dominante, e não era. Muita coisa da Coréia também, claro, inclusive umas cerâmicas belíssimas que era proibido fotografar mesmo sem flash. O museu não parece ter uma política muito restritiva de uso de imagem; a impressão é que as coisas proibidas de se fotografar mesmo sem flash são pra evitar que um desavisado, ou "desavisado," tire as fotos com flash; quase sempre são coisas com pinturas em materiais mais sensíveis à luz. O que sobra de proibido fotografar são objetos que não pertencem ao museu, mas estão lá emprestadas pra sempre por alguém. Numa sala de exposição temporária, descobrimos um conhecido do começo da viagem: o registro em vídeo e documentos da expedição russo-japonesa que encontrou o mural da rota da seda sobre o qual tivemos uma aula (em russo) no Hermitage, em São Petersburgo, mais as fotos e vídeos mostrando as mudanças na região nestes cem anos.

À esquerda, o pavilhão de arte japonesa, prédio original do museu. À direita, o pavilhão de arte asiática. 

O prédio do pavilhão de arte japonesa não é tão bonito quanto o do de arte asiática, é um brutamontes de concreto em que os detalhes mais elegantes de arquitetura japonesa tradicional só agravam o peso, mas a coleção é exatamente o que se poderia esperar... fomos meio correndo (a essa altura já era o meio da tarde, e a bateria do celular já tinha acabado - as fotos neste artigo foram tiradas quando voltamos), mas tinha desde as tais cerâmicas Jõmon, que não são apenas interessantes pela vetusta antiguidade mas também como objetos de arte mesmo, a caligramas zen e pinturas kamô pintadas em ouro, de ukiyo-e mostrando putas e dândis a grandes painéis históricos, de caixas de tabaco a minúsculos caprichos de madeira e cerâmica. Como não é um museu europeu, não há a distinção entre "arte" pintura e escultura e arte aplicada, então a variedade de suportes é enorme. Alguns dos objetos mais interessantes eram prosaicos, quase utilitários, como as guardas de espadas ou instrumentos de cerimônia do chá. Aliás, falando em armas, lá tem o primeiro exemplo de restauração moderna do mundo... por mais de dois séculos, e que infelizmente não fez escola. É uma armadura do período Kamakura, restaurada por ordens de um barão do clã Tokugawa em idos do século XVIII, quando já tinha cinco séculos. E o armeiro encarregado, ao invés de se fazer como naquela época, e até o século XX, geralmente se fazia, e tentar deixar a armadura com cara de nova, ao invés disso fez uma descrição, com desenhos e palavras, detalhada, e fez a restauração de forma que fosse ao mesmo tempo harmoniosa com o original, mas sem que desse pra confundir em momento algum a parte restaurada com a parte original.


No meio das coleções do museu, também tem o antigo gabinete do diretor, recentemente restaurado pra ficar como era no começo do século XX, com direito a um pequeno jardim japonês privativo do diretor (em que infelizmente não se podia andar, só olhar de dentro)  e, na antessala, gravuras e fotos da abertura do parque Ueno ao público. Uma das conclusões a que se chega olhando para ele, e para as antessalas que continuam no mesmo estilo, é que pra chegar às salas brancas atuais tiveram que jogar MUITA decoração fora. Saímos praticamente escorraçados, já de noite. O parque já estava meio vazio, e os sem-teto, que têm vergonha de aparecer em público, saíam das barracas (inclusive pra usar o banheiro do parque, que Thuin acabou usando pelo aperto, mas estava, ahn...). Inda entramos, antes de sair do parque, no saguão da sala de concerto, só pra bizoiar; chegamos a pensar em ir em algum concerto, mas já não tinha assento à venda pra semana.

Do lado de fora, perambulando pelas ruas do entorno, vimos muitas lojas mais populares, inclusive umas fantásticas, de brinquedos, de vários andares, e mais uma vez "deixamos pra depois" comprar as coisas. De lá, resolvemos ir para uma livraria que parecia interessante, por conta de um panfleto deixado no albergue. Pegamos o metrô e saltamos do outro lado do rio, ao lado de um prédio que era uma casa de shows, mas parecia o maior cocô dourado do mundo. (Depois descobrimos que "cocô dourado" é exatamente o apelido dele.) Nos perdemos um pouquinho, para não perder o costume (a área era bem suburbana, com muito pouca gente na rua à noite, e pouca sinalização também), e chegamos à livraria, que... era um sebo, com muita coisa em inglês, mas bem pouca coisa em inglês sobre Tóquio, que é o que achávamos que íamos encontrar. Nos fundos, um grupo de ingleses conversava animadamente com o dono. Então, não tendo vontade particular de comprar livro americano só por conta do adesivo de preço em japonês, demos meia-volta volver, e voltamos para Ueno, onde resolvemos jantar antes de voltar.
A estação Ueno


Pra jantar, fomos para debaixo do viaduto do trem, literalmente. Não é uma coisa rara de se encontrar em Tóquio, lojas e restaurantes encalacrados nos viadutos do trem; muitos deles, inclusive o de Ueno, são resquícios dos mercados negros e favelas do pós-guerra. O restaurante de sobá em que entramos era ridiculamente barulhento, entre estar lotado, a acústica de um lugar encalacrado sob um viaduto de trem, e os próprios trens passando a cada três minutos. Mas era, também, ridiculamente gostoso; pedimos de entrada ostras cruas, e sobá com frutos do mar depois; no cardápio, com uns toques de polinésia, sugeria também uma tábua com tudo que tem no mar grelhado, mas achamos que era comida demais.


Sunday, April 24, 2016

24.4.2015 Tóquio 15 a 21C Altitude 6m

Comemos café da manhã no próprio hostel - de pão de forma e iogurte, e partimos pra güela do monstro, também conhecida como estação Shinjuku, a mais movimentada do mundo (e de bem longe - passa mais gente por lá num dia do que numa rede de metrô inteira de São Paulo ou Paris). O caminho até lá, de trem, era na maior parte do tempo em elevado, com bairros um tanto genéricos (um bairro genérico japonês se parece mais com um de São Paulo do que qualquer outra coisa. Só é mais limpo) se alternando com canais cheios de trepadeiras. Tudo encostado na linha do trem; muito raramente o esquema trem-muro-rua. Em Shinjuku, até nos surpreendemos por não nos perdermos para sair da estação; na esplanada de pedestres em frente, entramos numa padaria francesa, cara mas absurda de boa, onde Thuin fez um segundo café da manhã. Depois de andar uns minutos, nos demos conta de que tínhamos nos perdido, e não tínhamos saído da estação. A esplanada, com arranha-céus em cima, era parte dela.Voltamos atrás, nos perdemos um pouco mais, e enfim achamos o caminho para a prefeitura.
A cidade sem fim

Já comentei que os distritos de Tóquio são prefeituras independentes, né. Pois então, Shinjuku é dos mais ricos de todos - e isso se reflete no mobiliário urbano e na conservação das ruas, que é tudo chiquérrimo e impecável. A prefeitura (o nome, derivado do português colonial, confunde; "prefeitura" é o governo estadual) é um par de torres de sessenta e três andares, com cara de microchip; a fila no elevador pra subir, apesar de ser o único mirante grátis da cidade, era pequena e não demorava muito. Lá em cima, uma grata surpresa: o monte Fuji podia não ser muito visível, como é comum na Primavera, mas em compensação tinha uma feirinha de produtos alimentícios artesanais de todas as prefeituras do Japão. Piramos bonito, olhando pra tudo e comprando ora uma coisa, ora outra. O que levou a uma surpresa menos grata: nossa câmera foi furtada. (Isso foi uma semana antes de sair a notícia de que, por conta dos furtos a turistas, a Torre Eiffel foi fechada.) Que é a explicação de por que não teve muitas fotos de Shirakawa-Go pra cá: o chip que estava dentro da câmera estava quase cheio. Tínhamos pensado em trocar, inclusive, mas resolvemos deixar mais um dia; haja leite derramado pra não se chorar.
A estação Miitaka

Enfim. Voltamos à padaria francesa e almoçamos muito bem, e inda levamos um par de pães pra comer depois, e pegamos o trem para o subúrbio remoto de Mitaka, onde nos aguardava o museu do Estúdio Ghibli. Partindo de Shinjuku e seus arranha-céus, a paisagem se altera rapidamente pro bairro japonês genérico, com prédios médios e casas, mas depois disso demora séculos até rarearem os prédios. Uma parada antes de Mitaka, ainda tinha prédios médios e lojas de departamento grandes. A estação Mitaka é razoavelmente grande e com vários serviços, mas os cartazes para o estúdio Ghibli dentro dela eram de papel impresso em impressora caseira; do lado de fora da estação, uns cartazes mais profissionais da prefeitura indicavam um ônibus especial, mas como era pouco mais de um quilômetro, fomos a pé mesmo. O caminho todo era por uma rua tranquila, ladeada por um canal ou por um parque e com quebra-molas; tanto nas margens do canal como no parque, muitas cerejeiras (já sem flor nenhuma, e sim com folhas), gingkos, e maples.
AAAAH TOTORO TOTOROTOTORO

A entrada do museu Ghibli parece algum tipo de mansão dos desenhos do estúdio mesmo. E tem o Totoro de bilheteiro... (como o ingresso tem que ser comprado semanas antes, na real não tem bilheteria). Na entrada, nos avisam que só pode tirar foto das áreas externas, e nunca dentro. A ideia é aproveitar dentro diretamente, ao invés de só tirar foto pra olhar depois (e, hoje em dia, selfie). Funciona; o povo parecia muito mais engajado com as exposições do que na maioria dos museus, especialmente agora na era do selfie. Também parece, dentro, uma mansão alucinada de estúdio Ghibli, com direito a uma reprodução do ateliê do Miyazaki. Um zootrópio 3d enorme. Um gatônibus de pelúcia, infelizmente proibido pra maiores de doze anos, e não aceitaram nossa explicação de que tínhamos tido um surto de crescimento precoce. Um monte de criança e adulto virando criança. Do lado de fora, o robô de Laputa e a pedra de glifos, uma loja de sorvete, e uma de cachorro quente (experimentamos o cachorro - era razoável, e vinha junto uma cerveja artesanal). A lojinha, claro, é uma das atrações do museu, e um lugar onde precisamos de toda a avareza do mundo pra não sair com mais sacolas do que um dromedário.

Na saída, fomos para a outra estação de trem, que ficava depois do parque e é parada do trem expresso. O caminho, ao lado e pelo parque, era tranquilo e bonito no lusco-fusco. Um lago com um tablado em forma de telhado de templo ajudava no efeito cênico, mas infestava o parque de mosquitos, que comemoravam felizes a primavera. Logo antes da estação do trem, essa calma toda se transformava, e a rua era hiperlotada de gente comprando em dúzias de lojas, mais a loja de departamentos anexa à estação; quase paramos pra comer num restaurante indiano, mas decidimos deixar pra comer no centro. No trem expresso de volta, que estava cheio mas não lotado, decidimos parar em Akihabara pra ver se comprávamos uma câmera para substituir a outra (que era emprestada), e dar uma olhada no bairro alucinado em geral. Os preços não eram tão convidativos assim, e parece que, com a concorrência da internet, Akihabara está se metamorfoseando de bairro de eltrônicos em bairro de turismo nerd. Muitos maid cafés, lugares onde meninas gostosinhas vestem roupas sumárias parecidas com personagens de desenho ou com aquelas fantasias de "empregada francesa." Num deles, numa esquina, a moça dançava tipo a Xuxa, de microssaia, com a bunda no vidro, o que levou um moço com cara de uns dezoito anos e roupa de sarariman a sentar no chão, no meio da rua, pra ficar olhando.
Cena suburbana (não, não é em Akihabara.) 

Andando pelas ruas, vimos um cartaz num prédio de que tinha uma loja de RPG, e entramos. O prédio tinha cara de antigo, um corredor de quartzolite encardida pra entrar num elevador apertado, mas a loja era grande dentro; a decepção de Thuin ficou por conta de não ter muitos RPGs japoneses mesmo, e sim uma quantidade enorme de Call of Cthulhu e D&D, traduzidos e originais. A loja tinha um cheiro de nerd antissocial não muito agradável, também... na volta, pensamos em comer em mais de um restaurante que tinha pelo caminho, mas sempre ficávamos na dúvida, até que chegamos de volta à estação sem ter decidido, e Thuin tava com as costas ruins, então decidimos descansar e comer depois. O trem que pegamos, dessa vez o local, apesar de já serem umas nove e meia, estava ESTUPIDAMENTE lotado. Não tinha os famosos empurradores, mas povo empurrava voluntariamente mesmo; parecia um scrum de rugby. Acabamos pegando o terceiro trem, um tico menos lata de sardinhas.




Nossa indecisão toda em Akihabara não tinha sido muito esperta: ao contrário de Akihabara, em volta do albergue não tinha restaurantes abertos tarde da noite de dia de semana. Então, pra não dormir com fome e de mau humor, acabamos pegando quentinhas e salgado no 7-11, pra comer no quarto; não é a marmita delícia do trem, mas matava a fome (e pra confirmar que é o país do ovo bom, mesmo na quentinha do 7-11 o ovo cozido de gema meio molenga tava gostoso).

Saturday, April 23, 2016

23.4.2015 Tóquio, 15 a 21C, Altitude 6m

No primeiro dia acordado em Tóquio, resolvemos ir para o museu da cidade, cujo nome é "Museu Edo-Tóquio"; Edo era o nome pelo qual a cidade era conhecida durante os tempos Tokugawa, antes da revolução que fez com que o imperador passasse a mandar no país - e se mudasse para Tóquio. Pegamos um trem (depois de perguntar a um policial, que tinha em sua cabine um dos ficharioszões cheios de informações aleatórias obrigatórios, onde pegávamos o trem; a alternativa seria pegar o trem na estação ao lado do albergue e andar até a próxima, pra depois voltar em outra linha). A estação em que descemos fica ao lado, além do museu, do principal estádio de sumô, e no bairro em volta há também dúzias de academias de sumõ; o resultado é que a estação, que é relativamente grande porque costumava ser terminal da extinta Ferrovia Sobu, é abarrotada de cartazes e troféus, quase uma antessala do estádio. Descendo da estação, o efeito "antessala do estádio" continua, com dúzias de camelôs vendendo suvenires - inclusive muitos cachecóis, não apenas de sumô mas também de beisebol e futebol.

Tanto o estádio quanto o museu têm uma arquitetura evocando (quaaaase imitando, mas diferente o bastante pra não ser brega) estruturas arcaicas; um tablado coberto de luta de sumô de aldeia e um celeiro pré-histórico sobre palafitas. Só que em escala imensa; o museu tem mais de 300m de comprimento. Chega-se na entrada dele dando a volta (se você vem da estação), e a escala é curiosa pelo contraste com a rua suburbana, de casinhas e prédios baixos se alternando. Você sobe primeiro para uma praça aberta sobre uma entablatura (dentro dela fica a parte administrativa, reserva técnica, exposições temporárias, e restaurante), pra comprar os ingressos (e um micro sanduíche de café da manhã) e subir um monte de escadas rolantes até o corpo do "celeiro."

O museu começa relativamente modesto, numa salinha com pequenos artefatos; é truque. Logo depois, você está no mezanino de um galpão imenso, com direito a dois prédios em tamanho natural, um representando Edo - um teatro de Kabuki - e um representando Tóquio - um jornal do começo do século XX; entre eles, ligando dois mezaninos, está uma reprodução da Nihonbashi, a antiga ponte de madeira sobre o rio Sumida, que até hoje é o marco zero do Japão. Além desses prédios de maior impacto, o museu tem uma exposição variada, com desde obras de arte (por acaso quando fomos lá tinha a série completa das 100 vistas de Edo, de Hiroshige) a maquetes de diversos tipos de construção, desde uma casa de carregador de balde de cocô até as moradas palaciais dos grandes barões (tozama daimyo) e o antigo castelo de Chiyoda; a brincadeiras tipo "tente você levantar a carga que um carregador de água levava" (pesado pra burro) ou "pedale numa bicicleta do século XIX" (povo na era vitoriana era equilibrista de circo, certeza). Uma nota mais sombria era dada por exposições sobre o grande terremoto do Kantô ou os bombardeios americanos; num painel, você pode apertar botões, cada um correspondente a um bombardeio específico, e ir apagando o mapa de Tóquio de 1941. E a loja de suvenires tinha muita coisa que era simplesmente brinquedo de antigamente; infelizmente, acabamos não comprando na teoria de que era perto e poderíamos voltar depois. Quando estávamos quase saindo, uma repórter perguntou se queríamos dar entrevista, mas declinamos do convite.

Resolvemos ir para a exposição temporária, paga à parte, também, e era sobre a batalha de Sekigahara, que estabeleceu Tokugawa Ieyasu como mestre do Japão. Muitas armaduras, espadas, e adereços diversos dos grandes barões, muitos documentos históricos (vários dos quais contavam uma história de sinceridade, amizade desinteressada, e amor fraterno de dar inveja a Game of Thrones), e alguns painéis mostrando a batalha, seus antecedentes (a unificação do Japão pelos dois antecessores de Ieyasu) e consequências (o estabelecimento do governo central em Edo). Na saída da exposição, uma lojinha de suvenires maior que a do museu propriamente dito, mas também bem mais cara, coisa de 50 reais por um caderninho com o brasão de algum daimiyo, ou 500 por uma reprodução de 20cm de altura das armas e armadura de Ieyasu.

A essa altura, Mari já estava faminta, e fomos em direção ao museu de arte contemporânea (pegando o metrô para andar uma estação) buscando o tempo todo lugar pra comer, mas o tempo todo dizíamos "esse não, deve ter algum mais legal," então acabamos chegando ao museu, já perto da hora do fechamento, ainda com fome. O museu, com um parque ao lado, é grande - maior ainda que o de Kanazawa, e beeem maior que o de Osaca ou o Garage, sem chegar a ser do tamanho da Nova Tretyakov. Menos bonito que os outros também, tem cara de terem pedido pro arquiteto sobretudo "imponência." Como estava um dia friozinho e cinza, dia de semana sem quase ninguém no pátio externo, talvez essa impressão fosse mais forte do que num fim de semana de sol. Lembrava a ONU de alguma maneira que não sei explicar. Dentro, exposições que iam de fantásticas ("O Tempo dos Outros," com diversos artistas explorando o tema sugerido pelo título, incluindo uma exposição em que relógios dispostos ao redor da sala faziam a contagem de mortes por diversas causas ao redor da Ásia) ao "mano, se isso é arte vou mandar minhas fotos pro museu," mais a (bastante representativa) coleção permanente.  Saindo do museu, vimos no mapa que daria pra ir por outra estação de metrô de volta pro albergue, atravessando o parque ao invés de pela rua, e fomos por lá. O parque tinha bem cara de parque de subúrbio, fora o detalhe de uma imensa ponte estaiada (de pedestre mesmo) cruzando um canal e uma avenida; do alto da ponte, tinha-se uma bela vista da cidade, no por do sol que demorava para acabar de sumir.

Comemos algo para enganar a fome numa barraquinha de rua ao lado do parque, e fomos para o albergue, passando antes por um mercado para comprar mantimentos (legumes são lindos e frescos, carne é caríssima) pra fazer um macarrão no albergue. No caminho, nos demos conta de que teríamos de fazer baldeação da Tokyo Subway pra Toei subway (as duas dependem do governo de Tóquio), e em Tóquio o metrô custa 7R$ e não tem baldeação grátis entre as redes, então resolvemos muquiranamente dar a volta maior pra ao invés disso chegar na JR e usar o JR Pass.

Friday, April 22, 2016

22.4.2015 Nikko 4 a 16C, Altitude 539m



Depois dum lauto e lindo café da manhã kaiseki e uma despedida com saudade no coração do onsen, nos arrumamos e partimos pra Tóquio (não deu problema na hora de pagar com o cartão, então ficamos com uma dinheirama em cash), munidos com uns pacotes duma bala de goma, pasta de feijão, e castanha portuguesa, que era uma delícia; nossa única lembrança de Nikko, mais uns pirulitos dos três macaquinhos pra dar de presente. Depois de quase dois meses viajando e dizendo "não vamos comprar nada porque vamos ter que carregar depois," o hábito tinha se calcificado, mesmo sabendo que só teria mais uma viagem antes da volta a São Paulo. Enquanto esperávamos o trem, que só passa uma vez por hora, comentávamos como realmente Nikko se parece com uma Itaipava da vida, com a vista das serras ao longe. Ainda tentamos ver na estação da Outra companhia de estradas de ferro se o lex deles direto pra Tóquio serviria, mas o dito-cujo só sai de Nikko à tardinha, é feito pra turistas que passam o dia. Então fomos lá descer de ladinho mesmo. A descida é bonita, passa boa parte do tempo no meio do mato, e a proximidade com o mato num trem de bitola estreita e uma só via é muito maior do que num carro. De dar pra tocar nos pinheiros e bambus mesmo. Também reparamos o que não tínhamos reparado na ida, que embaixo do nome de cada estação no caminho (são umas 5) tem a altitude dela. Enfim, chegamos a Utsunomiya, cheia de cartazes da festa do morango e com uns painéis feitos por crianças de escola anotando aonde tinham visto cerejeiras e ameixeiras em flor, e pegamos o shinkansen para Tóquio, última cidade da viagem e maior metrópole do mundo.


De volta à estação Tóquio, malas na mão, fomos procurar nosso trem para o albergue. E...bem... imagine um labirinto. Chape esse labirinto de um bilhão de pessoas. Adicione a sinalização "no information like too much information" da JR.... depois de uma boa meia hora andando pra cima e pra baixo, enfim achamos, bem pra baixo (são as plataformas mais profundas da estação) a linha que procurávamos, e tivemos uma grata surpresa: alguns trens da JR em Tóquio, trens comuns tipo metrô, tem um "carro verde," que nem trens interurbanos. No caso, ele é o equivalente a um ônibus executivo, bem mais simples do que os carros verdes ou até os normais de um lex, mas só de não ficar no aperto do metrô (e em Tóquio esse aperto é tão absurdo quanto se vê no youtube) já tava valendo, e o JR pass nos deixaria usá-los até o antepenúltimo dia. Chegamos na nossa estação e no albergue, que tinha uma temática ninja - querendo dizer muitos shuriken de plástico pra tudo que é canto, e os recados que todo albergue tem com brincadeirinhas. Coisas como "um NINJA nunca deixa louça suja na pia!" O quarto tinha cara de limpo, mas um pouco de cheiro de mofo, e era minúsculo - um beliche em que Thuin mal se virava, espaço ao lado dele de uns 40cm, e uma mesinha carteira de escola. E uma luminária cuja cordinha de apagar era um shuriken. Saímos de lá à procura dum lugar para comer, e acabamos parando no restaurante nepalês de uma tiazinha, muito bom, com mesinhas com toalhas de plástico, bons pães à moda indiana e curries, e o chopp mais barato que vimos no Japão. (Kirin, infelizmente, e a Kirin ter comprado a Schincariol faz todo o sentido, mas era barato e gelado.) Voltamos pro hostel e fomos cochilar um pouco; quando Thuin acordou, descobriu o porque do cheiro de mofo: a janela do quarto dava pra parede lateral do prédio em frente, e a família do apartamento abaixo pelo visto gostava de fritura; o quarto deve ficar com a janela fechada enquanto não tem ninguém hospedado nele o tempo todo, pra não entrar a gordura. Enfim, pra gente era só fechar às seis da tarde e abrir às nove, ou horário que fosse, já que já não fazia mais frio; no dia seguinte o cheiro tinha sumido inteiramente.

Descansados e banhados (não tinha banho público luxuoso, mas os banheiros cápsula imitavam decentemente uma sauna, e a água fria era bem gelada), já era noite, e fomos conhecer a Guinza. Saltamos na própria estação Tóquio, e de lá fomos a pé, nos perdendo só umas duas ou três vezes até chegar na área realmente epoustouflante da Guinza. Que provavelmente consome metade da energia elétrica do mundo, de tanto luminoso. Prédios jóias, prédios propaganda, prédios as duas coisas juntas. Muitas e muitas lojas de departamentos; entramos em uma das mais tradicionais pra olhar o setor de comida do subsolo. Chiquérrimo, mas nos impressionou menos como apetitosidade do que o da loja da estação de Fukuoka, até porque tinha mais coisa importada e menos coisa japonesa. Saindo de lá, comemos num fast-food de tempurá, e estávamos entre os últimos clientes; aquele neon todo dorme cedo...

Thursday, April 21, 2016

21.4.2015 Nikko 4 a 14C, Altitude 594m

Acordamos em Nikko sendo chamados para o café da manhã. O café, numa salinha reservada, deixou bem claro por que a comida deliciosa do dia anterior tinha sido "uma coisinha às pressas." Café à japonesa, claro, com ovo mole, peixe assado, arroz, broto de samambaia, e outras cousicas, muitas cousicas. Depois do café, passamos o resto da manhã no banho, até sair um pouco antes de meio dia para catar um banco para tentar pegar o dinheiro do pagamento do riyokan, pra caso não desse pra pagar no cartão não ter aperto, o que eventualmente conseguimos. Nisso, andamos por boa parte do núcleo urbano de Nikko, que é, pra ser honesto, meio decepcionante pro que esperávamos. Sendo uma cidade com um patrimônio cultural da humanidade, de beleza literalmente proverbial, e a pouco mais de duas horas de Tóquio, ou três horas num trem direto mais confortável, esperávamos algo parecido com a vila da ilha Miyajima ou Ise, com uma variedade de coisas e muita coisa chique; ao invés disso, parecia mais uma cidadezinha de interior dessas pelas quais o turismo passa ao invés de adentrar, nas serras do Rio ou São Paulo. Umas lojas de suvenir bem caras, uns bares que não pareciam particularmente turísticos, um centro de visitantes bem acanhado. A estação da JR (em estilo colonial britânico) e a da outra ferrovia (parecendo casinha suíça, bem maior e com mais coisa que a da JR). O mais bonito da cidade era a profusão de rododendros plantados.

Sacado o dinheiro, fomos no Tosho-gu, o tal patrimônio da humanidade. É o templo erguido junto com a tumba de Tokugawa Yeiasu, unificador do Japão e fundador da última dinastia de xóguns. E realmente merece cada última letra do título de patrimônio cultural da humanidade. A arquitetura é chinesa, mais que japonesa, com uma talha de madeira riquíssima e telhados elaborados, só que ao invés daqueles descampados enormes de palácio chinês, os templos de Nikko ficam no meio duma "cidade" em que as ruas são marcadas por criptomérias enormes; a sensação é uma mistura de imperial e sereno, de opulência e simplicidade. Seria mais interessante ainda se não fosse a dor nas costas que impediu Thuin de subir até o túmulo propriamente dito, ao contrário das velhinhas que subiam alegres. Aqui também o cavalo do deus (no caso, ao invés da deusa do sol, o deus tutelar é o próprio espírito de Tokugawa Ieyasu) tinha sua cocheira; na plaquinha diz que o cavalo é presente australiano, além de deixar povo tranquilizado de que não, ele não passa o dia inteiro preso ali. O presente parece ser parte de uma tradição, porque também há um sino presente dos reis da Coréia e uma lanterna de ferro presente da Companhia das Índias Holandesa - lembrando que, afinal, o orixá do lugar era o fundador da dinastia que governava o país até meados do século XIX. Na cocheira também fica a famosa estátua dos três macaquinhos, não ouço não vejo não falo. O conjunto todo está sendo restaurado, assim como o castelo de Nijô, o que também foi interessante de ver; tínhamos todas as três fases (antes, durante, e depois) da restauração ali.
Sim, isso é um sashimi de porco

Saindo do Tosho-Gu, fomos em frente para buscar a única outra atração de Nikko que dava pra quem não pode pegar carro visitar - o resto são atrações naturais às quais só se chega pegando estrada. Era o jardim botânico alpino da universidade de Tóquio. Andando pela estrada-rua principal, no caminho descobrimos que tinha uma outra, que o guia não mencionava, um palacete art nouveau que pertenceu a um príncipe herdeiro da era Taishô. Mas seguimos antes pro jardim botânico, parando pra comer numa loja de conveniência (estávamos contando os centavos pra não ficar com menos dinheiro do que o necessário para pagar o riyokan, pra se o banco desse problema de novo). O jardim é modesto, bem mais modesto do que a associação com a Universidade de Tóquio faria crer. Uma casinha na entrada serve de centro de visitantes, te dá de graça o mapinha básico e vende uns mapinhas e guias mais tchuns - bem bonitinhos, mas estávamos em modo mão de vaca total, então não compramos nada. Andando pelo jardim, com plantas de frio e montanha, ele estava um pouco abandonado, mas isso o tornava até mais bonito. Parte dele acompanha o mesmo rio que passa pelo riyokan, e do outro lado podíamos ver uma série de budas à margem do rio; foi o único momento em que vimos viv'alma enquanto andávamos por ali, um par de turistas ou romeiros olhando os budas. Um belíssimo lago de plantas aquáticas diversas (todas misturadas, apesar das plaquinhas darem a entender que antes cada uma ficava no seu canto) era quase sombreado por um par de magnólias com as flores já começando a murchar, muito cheirosas... ao contrário do guia, a gente recomenda muito o jardim botânico.

De volta ao riyokan, mais banho e o jantar comme il faut. Quase tão bom quanto o de Miyajima, kaiseki, com além das muitas comidas já preparadas um fogareirozinho para fazermos nosso próprio churrasquinho de frutos do mar, bolinha de surimi de peixe com castanha, cogumelo eringui, e abóbora.


Wednesday, April 20, 2016

20;04;2015 Kanazawa 17 a 24C Altitude 24m

Então, comentamos que não ia dar tempo de almoçar em Quioto, né. Pois bem, acabamos descobrindo um detalhezinho. Como o ônibus era lento, mesmo numa cidade relativamente pequena, chegamos atrasados para pegar o lex para Nagóia. Ao invés de mudarmos de planos e pegar o Hokuriku para Tóquio, deixando pra pegar as malas em Nagóia depois, resolvemos esperar. Resultado: depois da volta ao Japão toda, chegamos em Nikko atrasados.

O lex que vai de Kanazawa para Nagóia pelo plano é bem menos cênico do que o Hida pelas montanhas, mesmo com a ajuda, naquele dia, de muita neblina. Basicamente, vê-se arroz, arroz, arroz, arroz, interrompidos por aldeias, vilas, e cidadezinhas pequenas, às vezes com alguma indústria leve junto. Na chegada em Nagóia, ainda tivemos tempo de comer o estrumpfamente delicioso tonkatsu, porco à milanesa, no subsolo da estação (olhando pro relógio e praguejando se aparecia outro cliente e a garçonete falava 2s com ele, mas deu). Thuin o missô-katsu, que é a especialidade local, e Mari com um molho espesso e doce, à base de algas. De Nagóia a Tóquio, o shinkansen passou ao lado do monte Fuji, mas perdemos a imagem clássica graças à neblina. Enfim, chegamos na estação Tóquio; esta não tem os grandes espaços abertos de Osaca ou Quioto; é quase do tamanho delas, mas na base de uma profusão caótica de puxadinhos e subterrâneos. Pra nossa sorte, não tivemos que navegar muito esse caos, porque o trem que pegaríamos seria também um shinkansen, e eles estão todos agrupados num canto. Saímos da roleta só para pôr as mochilas de novo num armário, e pegamos o trem para Utsunomiya. De Tóquio até Utsunomiya, são três estações de trem-bala, mas você ainda está defintivamente dentro da mancha urbana de Tóquio; não tem intervalos com mato de mais de 15s. Em Utsunomiya, tempo contado para pegar o trem local para Nikko, só deu tempo de ver os cartazes da festa do morango. O trem local, descobrimos, subia bem inclinado, e só tinha banco de lado - e estava cheio. Uma dilícia pra Thuin, já com as costas ruins da odisséia. E uma secundarista não muito gentil inda tinha marcado seu território pondo a mochila e a pasta uma de cada lado do banco.

Chegamos em Nikko. Sem dinheiro para pagar o hotel e sem saber como faríamos, depois do problema em Kanazawa. Chovendo uma garoa fina e fria. Sabendo que estávamos bem próximos de estar atrasados para o jantar. Sem dinheiro, provavelmente, pra pegar um táxi. Resolvemos catar um banco, que não tinha na estação. Quando enfim achamos, não tirava dinheiro. Pegamos um táxi salvador e resolvemos ir até onde desse; deu justo. Chegamos, enfim no riyokan. O prédio não é particularmente bonito por fora, ao contrário do da ilha Miyajima, mas por dentro é chiquérrimo, numa mistura de estilo ocidental (ie americano) e japonês. Chegando lá, outro problema: o povo do booking havia dito que sem problemas chegar 7:30 ao invés de 7 pra janta, mas esqueceram de avisar o riyokan, que já lavava a cozinha. Primeiro parecia que passaríamos fome, mas o moço do booking, contatado no telefone, acabou conseguindo esclarecer o imbróglio, e fizeram uma janta rápida pra gente. "Uma janta rápida" já era uma delícia, bem entendido. Nosso quarto, de tatame com saleta para tirar sapatos e banheiro integrado com banheira e chuveirinho separados (ie, que dava pra fazer sua própria sauna), tinha uma varanda que dava para as corredeiras dum riozinho, com o barulho forte da corredeira cheia de água do degelo. Do outro lado do riacho, só árvores e samambaias, e só se via os outros prédios da rua esticando a cabeça. A luz mais forte era a da própria lua cheia. E fomos - claro - no onsen, que tinha até uma piscina ao ar livre para ver seu bafo fazendo fumacinha.

Tuesday, April 19, 2016

19.4.2015 Kanazawa 18 a 24C, Altitude 24m

Apesar de termos a manhã pra ver aqueles museus todos que tínhamos listado, os dois intrépidos buscadores de lugares cada vez mais remotos resolveram ao invés disso ir pra Takaoka, uma cidadezinha perto, de manhã cedo para ver uma grande estátua do Buda; haveria tempo sobrando pra ir nos museus depois. Obviamente que não deu, né. Começou fácil, pegando o Hokuriku Shinkansen, que, recém-inaugurado, é muito mais chique que os outros shinkansen, com direito à cadeira se mexer sozinha e a uma "gran class" que não podíamos usar com o JR Pass verde e que parece primeira classe de avião. Meio desnecessário, pruma viagem que no máximo dura três horas, mézanfã. A estação shin-Takaoka, como em Osaca, não fica em Takaoka. Para chegar à estação Takaoka -  no centro da cidade, enorme e tinindo de nova, lembrando a própria estação de Kanazawa, só que sem o terminal de ônibus lindo na frente (tinha um terminal, só não era lindo) - tínhamos que pegar um trem local. Este foi o maior contraste possível com o Hokuriku. Velhinho, fedido, e meio cabritex, o que não foi tão ruim porque o percurso dele inteiro não passou de 10 minutos, se tanto.

Em Takaoka, descobrimos em ambas as estações de trem, vários cartazes, tampas de bueiro, etc etc ETC, o grande orgulho local, mais do que o daibutsu ("3o maior do Japão!") é o fato de Lorde Maeda (o fundador da família que tornou Kanazawa uma potência cultural, algo como uma versão mais guerreira dos Médici) ter dormido lá uma vez, ok, ter fundado a cidade, e o capacete dele aparece em toda a parte. Nós, claro, nos perdemos nos poucos quarteirões da estação ao Buda, mas foi um se-perder até agradável, parte pela feira de sábado de antiguidades e comidinhas que velhinhos fazem em casa (Thuin comprou umeboshi). O daibutsu é menos impressionante do que, dizem, são os dois maiores, pelo menos pra nós; algumas das obras de arte sacra na capela na sua base eram bem mais interessantes, inclusive uns pergaminhos e um móbile indiano fantástico. Mas vimos no mapa que ao lado do daibutsu estava o parque sobre o antigo castelo, então lá fomos descobrir que, sem as grandes ambições paisagísticas de Kanazawa ou um torreão reconstruído, o parque era ainda muito bonito, com cerejeiras e camélias largando as flores na água dos fossos. E a visita ao parque, claro, demorou muito mais do que pensávamos que demoraria. Resultado: quanto chegou a hora de voltar para Kanazawa, já era hora de fechar dos museus, e no mercado central, que visitamos, vários dos quiosques também já estavam fechando as portas. Ainda deu para passear um pouco (e salivar muito nos legumes e frutos do mar, alguns de ambos dos quais não conseguimos reconhecer e tudo bonito), e subir para comer a janta cedo num dos restaurantes do mezanino. Este, bem apertado (o pé direito do mezanino do mercado central deve ser de menos de 2,20m), era especializado em sobá, e comemos uns sobás deliciosos, um de carne de Hida e outro de legumes caipiras.

E enfim, nesse dia um pouco anticlimático depois da apoteose do dia anterior, seguimos de volta para o banho público com água marinha, pra encerrar cancelando a visita a Katsura (porque nos demos conta de que não daria tempo para passar lá em Quioto antes de ir a Nikko) e o almoço no restaurante de comida kaiseki francesa (idem). A moça da agência imperial agradeceu muito o cancelamento ao telefone; nos perguntamos se muita gente simplesmente dá bolo ou se era efusividade natural mesmo.

Monday, April 18, 2016

18.4.2015 Kanazawa, 5 a 21C, Altitude 24m

Amanhecidamente, saímos a procurar um lugar de café da manhã e... mais uma padaria de cadeia foi o resultado. Com a dupla diferença de que esta A) tinha nome remetendo à Alemanha (não em alemão - "German Bakery") ao invés de em francês, e B) era muito boa mesmo. Comemos um muffin de matchá com gotas de chocolate, um pão com grãos de soja e queijo, e um quase-pão de chocolate, mais café bastante razoável, e mesmo assim não saiu tão caro. A padaria, aparentemente, era parte duma rede dividida em três níveis; ela era o melhor, o 2o tinha nome francês, o 3o em inglês. Não é piada, juro. De lá, fomos a pé mesmo rumo ao parque, o Kenroku-en, considerado um dos "três jardins mais bonitos" pela lista em vigor desde o começo do século XX (ok, um pouco mais nova do que a das sete maravilhas de 140 a.C. ). Pelo caminho, fomos reparando num pequeno detalhe: tem MUITA obra de arte na rua em Kanazawa. Mas muita, muita mesmo. Também chegamos numa entrada pro chão em que estava escrito "subway" e nos perguntamos "ué, como assim, tem metrô aqui e o guia não avisou." Mas era só, literalmente, uma rua subterrânea, imaginamos que pra quando neva muito. E sim, dentro dela mais arte.

No caminho para o Kenrokuen, passamos por ainda um par de praças, e um centro cultural tinindo de novo na frente do antigo castelo, e Mari comeu um sorvete de flor de cerejeira com floquinhos de folha de ouro. O próprio Kenrokuen... bem, além de sem fotos, acho que o blogue também vai ficar sem uma descrição adequada, simplesmente porque ela é difícil. É talvez o parque mais bonito que qualquer um dos dois tenha visto. É um jardim senhorial à antiga, sem gramados ingleses pra se refestelar (o nobre tinha um lacaio de almofadinha pra sentar no chão de terra quando quisesse, e de qualquer jeito o espaço não é tão grande). Quase literalmente em qualquer posição que se olhasse, de qualquer ponto do jardim, belíssimo. OK, com a exceção das lujinhas de bricabraque. Atendendo a sensibilidades plebéias, tem uns espaços para piquenique - tablados com esteiras de palha em volta dumas lixeiras simples - mas resolvemos experimentar a comida do restaurantezinho, de madeira sentando em tatame, e com a surpresa duma bela vista da cidade toda, até as montanhas no fundo (o Kenrokuen fica sobre o mesmo morrote em que se sentava o castelo, e o restaurante é na bordinha do parque), onde comemos uns ramen vegetarianos com legumes caipiras (ie nem adianta falar o nome, porque só tem lá nos arredores mesmo). Anexo ao Kenrokuen, estava também o museu de artes tradicionais, que também serve de loja, e cuja definição de "tradicional" inclui coisas hi-tech, desde que feitas a mão, como uns xales de tecido sintético ultrafino e macio, mas também muita coisa, digamos, mais tradicionalmente tradicional - laca, cerâmica, ouriversaria... Quase tudo comprável, se você tivesse muita grana, e lindo.

Saindo do deslumbramento do Kenrokuen, atravessamos a ponte para entrar no castelo, que hoje também é um parque. Este, ao contrário dos muitos castelos reconstruídos em concreto armado Japão afora (como o de Osaca) está sendo laboriosamente construído pelos métodos tradicionais. Ou melhor, parcialmente reconstruído, porque no pedaço onde se erguia o donjon hoje é o jardim botânico da universidade de kanazawa, e ninguém quer arrancar fora o jardim botânico. O outro lado do parque do castelo não ser a jóia que é o Kenrokuen é que é mais amplo, com bastante área pra se fazer um piquenique. O problema é que a grama era aparada bem alta (ou era uma grama baixa não aparada, pode ser também) e estava húmida e fria, então achamos um tablado de madeira próximo ao antigo paiol para sentar e beber uma garrafa de saquê. Enquanto sentávamos e olhávamos em volta, vimos duas águias que se esbatiam, ou dançavam, ou sabe-se lá quê, no ar; depois de umas dez mil tentativas, inclusive conseguimos tirar uma foto delas passando sobre o castelo.

Descendo pelo que já foi um portãozinho lateral, andamos um pouco mais (Thuin deitando dessa vez no gramado da praça em frente) e fomos lá para o museu de arte contemporânea do século XXI - o maior de um grupo de uma meia dúzia de museus, nenhum muito pequeno, agrupado um pouco a leste do castelo e do Kenrokuen, e um dos principais motivos de termos ido parar lá na costa do mar do Japão; não fomos nem no museu prefeitural (estadual) de arte, nem no museu histórico, nem no museu da folha de ouro, nem no museu de arte (outro museu de arte), nem no museu do folclore, nem no de teatro nô, nem no de literatura moderna, nem no museu Honda (nada a ver com a montadora). Nem na sala de concerto. Contei que a cidade não chega a meio milhão de habitantes, né.

O museu, apesar de ser de arte contemporânea e do século XXI, é um prédio resolutamente moderno, que não faria feio perto duma obra do Corbusier, um disco branco com cubos igualmente brancos saindo dele, compensados por cubos de espaço vazados nele. Dentro, demos o azar de pegar boa parte das salas em montagem, de uma exposição que se iniciaria no dia em que chegássemos em Tóquio. Mas a exposição permanente (incluindo a "piscina" de acrílico pra brincar de tirar foto "debaixo d'água") era interessante, e havia também uma exposição sobre a reconstrução das áreas atingidas pelo grande terremoto do Tohoku e pelo tsunami, incluindo uma instalação que reproduzia os abrigos temporários com privacidade extra criados pelo Shigeru Ban pros desabrigados.

Na saída do museu, já à noitinha, andamos um pouco pelos arredores, por uma pracinha bonita em que já despontavam uns rododendros aqui e ali, e voltamos pro hotel (e pro onsen) de novo. Mais à noite, fomos à procura de um cozido, que era o prato "de pobre" tradicional da área (o prato de rico, com o nome que soa engraçado pra ouvidos portugueses de cozinha kaga, era muito caro e similar ao kaiseki quiota). Andando em volta, pelo meio das multidões duma sexta à noite, acabamos não achando nenhum que parecesse bom; compramos, ao invés disso, uns guioza para comer no hotel. (Que estavam, sim, muito bons.) E ir tomar banho de novo...


Sunday, April 17, 2016

17.4.2015 Shirakawa-Go, -4 a 6C,

Acordamos cedo, pela dupla obrigação de ter que viajar relativamente cedo e do café da manhã. Neste, a dona da pousada resolveu que tinha que explicar que era pra descascar o ovo cozido. E achou que não tínhamos entendido. E os chineses do lado foram explicar também. Gente, tá. Ovo. Sei. Comem disso na minha terra.

A aldeia era tão desbundante de dia claro quanto à tardinha, mas por motivos de furto não tem foto (mais quando chegarmos a Tóquio). As construções mais recentes (mas ainda todas em madeira, quando muito um reboco) eram, realmente, tudo lujinha. A ponte de pedestres, vazia na madrugada, cheíssima de gente que tinha acordado muito mais cedo que a gente e ido de ônibus pra fazer bate-volta desde Takayama, ou até mais cedo ainda e desde Nagóia. Compramos os bilhetes do ônibus de volta, sem fila já que tava todo mundo chegando, e sem problema já que íamos embora no meio da tarde e o povo do bate-volta só voltaria ao anoitecer.

Do lado de lá do rio, um conjunto de casas não é nem pousada nem lujinha, mas museu - da própria Shirakawa-Go, e da vida e do trabalho de antigamente nas montanhas do Chubu; não sei se todo mundo acharia interessante, mas nós achamos. Numa delas, que pertenceu a um cacique, pode-se inclusive subir para o telhado, que é metade do volume da casa e onde eram secos os fios de seda, que era a principal indústria da área. Noutra, cartazes e um vídeo explicavam sobre como é (ainda hoje) o mutirão para se consertar o imenso telhado de sapê, e de quebra deixam claro por que não rola manter casas dessas como casa privada hoje em dia; são umas 100 pessoas pra consertar um telhado, e as famílias não têm mais 20, 40 membros adultos que nem antigamente. E também explicavam por que não tem uma mísera lixeira, nem em restaurantes, pela cidade: sem tanta gente pra fazer manutenção dos telhados, você não quer que vida selvagem seja atraída.

O passeio pelo "museu" também serviu para darmos uma última despedida à neve; como na Rússia, alto assim nos alpes japoneses abril ainda é degelo mais que primavera. Nas montanhas em volta, faias ainda secas também faziam lembrar a Rússia. Enfim, com dor no coração nos aprontamos para ir embora, demos o bentô de Matsusaka para a dona da pousada para jogar no lixo por nós, e pegamos o ônibus. Em Takayama, já que tínhamos esquecido a bolsa dos remédios, nos dividimos: Thuin foi direto para Kanazawa, para ir direto pro onsen do hotel, e Mari foi para Nagóia pegar a bolsa. Mari inda teve que correr: o horário do trem era casado com o do ônibus vindo de Shirakawa-Go. Enquanto esperava o trem, Thuin inda comprou um tubo de carne em conserva achando que era bentô, ou seja, nenhum dos dois almoçou. Thuin inda fez um lanche saltando do trem em Toyama para pegar o próximo Shinkansen (recém-aberto, em 14 de março) até Kanazawa. Ter JR pass era lindo.

Em Kanazawa a estação é comum (se mais espaçosa que a média) por dentro, mas a entrada, que também é um terminal de ônibus, é linda, lembrando uma espécie de Torii hi-tech, de aço e vidro; o correto seria dizer que o terminal de ônibus urbano da estação é lindo, mais do que a estação em si. No hotel, Thuin tentou pagar o hotel e teve a desagradável surpresa de que o cartão estava bloqueado. Tenta o débito. Também bloqueado. OK. Sai e tenta sacar dinheiro num atm. Bloqueado. Procura orelhão para ligar pro Banco do Brasil. Não tem orelhão. Pede carregador emprestado, envergonhado, pra moça do hotel, e liga meio inclinado com o celular conectado na tomada da faxineira. "Senhor, seu cartão não foi bloqueado." Tá, mas então por que não consigo passar ele. "Não sabemos. Tente novamente." E assim, e com muitos "aguarde horas ouvindo a musiquinha dos smurfs ou pour Elise," enquanto as costas iam ficando pior e pior, por mais umas três horas e meia, até que finalmente alguém (com sotaque potiguar, acho) descobriu o problema: o banco impõe ao uso do cartão de débito, quando fora do país, o limite do crédito, mesmo que haja mais dinheiro na conta. "Se o senhor pagar agora, estará resolvido até as 10h da noite." No Brasil. 10 da manhã. Albergues de sem teto em Kanazawa, procurar. "Se o senhor pagar na agência, vira na hora." A agência. Que fica em outra cidade e já fechou. Mais uma meia hora e finalmente a informação: com esse outro número de telefone (a conta, eventualmente, foi de mil reais) dá pra pagar e ser creditado na hora, ao contrário da internet ou do telefone comum. Bem, demora uma meia hora. Quando finalmente a conta foi paga, Mari já tinha voltado de Nagóia, e o tempo no Onsen melhorando da dor tinha virado tempo torto numa cadeira de café. (E sem saber se ia dar pra pagar o café e o muffin).

Enfim. Direto pro onsen, ou melhor, pro banho (tecnicamente falando, "onsen" é só quando a água é direto da fonte térmica; neste hotel era água do mar aquecida - pra gente, melhor ainda), ficar fazendo choque térmico até andar direito de novo. Depois dumas horas disso, saímos pra procurar um lugar pra comer. Como não havia exatamente condições de andar muito, tinha que ser no quarteirão do hotel (o próprio serviço de quarto era uns sanduíches de pão de miga sobrefaturados). Acabamos entrando num lugar de espetinho que, se bem longe da delícia da barraquinha de Fukuoka, era bastante bom (pra não dizer que só comemos espetinho, tinha uma boa salada de acelga e repolho roxo, com refill grátish), e que era meio restaurante meio bar, com chopp gelado e um grupo de adolescentes de cara vermelha numa salinha lateral. O que doeu um pouco foi que a decoração era baseada nas referências do remoto período showá, onde moravam nossas mamães... que durou até 90.