Amanhecidamente, saímos a procurar um lugar de café da manhã e... mais uma padaria de cadeia foi o resultado. Com a dupla diferença de que esta A) tinha nome remetendo à Alemanha (não em alemão - "German Bakery") ao invés de em francês, e B) era muito boa mesmo. Comemos um muffin de matchá com gotas de chocolate, um pão com grãos de soja e queijo, e um quase-pão de chocolate, mais café bastante razoável, e mesmo assim não saiu tão caro. A padaria, aparentemente, era parte duma rede dividida em três níveis; ela era o melhor, o 2o tinha nome francês, o 3o em inglês. Não é piada, juro. De lá, fomos a pé mesmo rumo ao parque, o Kenroku-en, considerado um dos "três jardins mais bonitos" pela lista em vigor desde o começo do século XX (ok, um pouco mais nova do que a das sete maravilhas de 140 a.C. ). Pelo caminho, fomos reparando num pequeno detalhe: tem MUITA obra de arte na rua em Kanazawa. Mas muita, muita mesmo. Também chegamos numa entrada pro chão em que estava escrito "subway" e nos perguntamos "ué, como assim, tem metrô aqui e o guia não avisou." Mas era só, literalmente, uma rua subterrânea, imaginamos que pra quando neva muito. E sim, dentro dela mais arte.
No caminho para o Kenrokuen, passamos por ainda um par de praças, e um centro cultural tinindo de novo na frente do antigo castelo, e Mari comeu um sorvete de flor de cerejeira com floquinhos de folha de ouro. O próprio Kenrokuen... bem, além de sem fotos, acho que o blogue também vai ficar sem uma descrição adequada, simplesmente porque ela é difícil. É talvez o parque mais bonito que qualquer um dos dois tenha visto. É um jardim senhorial à antiga, sem gramados ingleses pra se refestelar (o nobre tinha um lacaio de almofadinha pra sentar no chão de terra quando quisesse, e de qualquer jeito o espaço não é tão grande). Quase literalmente em qualquer posição que se olhasse, de qualquer ponto do jardim, belíssimo. OK, com a exceção das lujinhas de bricabraque. Atendendo a sensibilidades plebéias, tem uns espaços para piquenique - tablados com esteiras de palha em volta dumas lixeiras simples - mas resolvemos experimentar a comida do restaurantezinho, de madeira sentando em tatame, e com a surpresa duma bela vista da cidade toda, até as montanhas no fundo (o Kenrokuen fica sobre o mesmo morrote em que se sentava o castelo, e o restaurante é na bordinha do parque), onde comemos uns ramen vegetarianos com legumes caipiras (ie nem adianta falar o nome, porque só tem lá nos arredores mesmo). Anexo ao Kenrokuen, estava também o museu de artes tradicionais, que também serve de loja, e cuja definição de "tradicional" inclui coisas hi-tech, desde que feitas a mão, como uns xales de tecido sintético ultrafino e macio, mas também muita coisa, digamos, mais tradicionalmente tradicional - laca, cerâmica, ouriversaria... Quase tudo comprável, se você tivesse muita grana, e lindo.
Saindo do deslumbramento do Kenrokuen, atravessamos a ponte para entrar no castelo, que hoje também é um parque. Este, ao contrário dos muitos castelos reconstruídos em concreto armado Japão afora (como o de Osaca) está sendo laboriosamente construído pelos métodos tradicionais. Ou melhor, parcialmente reconstruído, porque no pedaço onde se erguia o donjon hoje é o jardim botânico da universidade de kanazawa, e ninguém quer arrancar fora o jardim botânico. O outro lado do parque do castelo não ser a jóia que é o Kenrokuen é que é mais amplo, com bastante área pra se fazer um piquenique. O problema é que a grama era aparada bem alta (ou era uma grama baixa não aparada, pode ser também) e estava húmida e fria, então achamos um tablado de madeira próximo ao antigo paiol para sentar e beber uma garrafa de saquê. Enquanto sentávamos e olhávamos em volta, vimos duas águias que se esbatiam, ou dançavam, ou sabe-se lá quê, no ar; depois de umas dez mil tentativas, inclusive conseguimos tirar uma foto delas passando sobre o castelo.
Descendo pelo que já foi um portãozinho lateral, andamos um pouco mais (Thuin deitando dessa vez no gramado da praça em frente) e fomos lá para o museu de arte contemporânea do século XXI - o maior de um grupo de uma meia dúzia de museus, nenhum muito pequeno, agrupado um pouco a leste do castelo e do Kenrokuen, e um dos principais motivos de termos ido parar lá na costa do mar do Japão; não fomos nem no museu prefeitural (estadual) de arte, nem no museu histórico, nem no museu da folha de ouro, nem no museu de arte (outro museu de arte), nem no museu do folclore, nem no de teatro nô, nem no de literatura moderna, nem no museu Honda (nada a ver com a montadora). Nem na sala de concerto. Contei que a cidade não chega a meio milhão de habitantes, né.
O museu, apesar de ser de arte contemporânea e do século XXI, é um prédio resolutamente moderno, que não faria feio perto duma obra do Corbusier, um disco branco com cubos igualmente brancos saindo dele, compensados por cubos de espaço vazados nele. Dentro, demos o azar de pegar boa parte das salas em montagem, de uma exposição que se iniciaria no dia em que chegássemos em Tóquio. Mas a exposição permanente (incluindo a "piscina" de acrílico pra brincar de tirar foto "debaixo d'água") era interessante, e havia também uma exposição sobre a reconstrução das áreas atingidas pelo grande terremoto do Tohoku e pelo tsunami, incluindo uma instalação que reproduzia os abrigos temporários com privacidade extra criados pelo Shigeru Ban pros desabrigados.
Na saída do museu, já à noitinha, andamos um pouco pelos arredores, por uma pracinha bonita em que já despontavam uns rododendros aqui e ali, e voltamos pro hotel (e pro onsen) de novo. Mais à noite, fomos à procura de um cozido, que era o prato "de pobre" tradicional da área (o prato de rico, com o nome que soa engraçado pra ouvidos portugueses de cozinha kaga, era muito caro e similar ao kaiseki quiota). Andando em volta, pelo meio das multidões duma sexta à noite, acabamos não achando nenhum que parecesse bom; compramos, ao invés disso, uns guioza para comer no hotel. (Que estavam, sim, muito bons.) E ir tomar banho de novo...
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