Pera. Me adianto. De volta pro começo. Tínhamos um trem para pegar rumo a Hiroxima e à Ilha Miyajima à 1:30. Ainda não falamos do maravilhoso JR pass e de como ele funciona, acho. É assim: você tem o passe (nominal, sem chance de 2a via se perder), e com ele pode entrar em qualquer trem do país na segunda classe, sem reservar assento. Também pode reservar assento, se quiser. Para ir na 1a classe, o que podíamos porque nosso passe era de 1a (por conta das costas de Thuin), precisava reservar, mas não pagava nada a mais por isso; teoricamente, tínhamos o direito de ir num guichê e reservar uma cadeira na 1a classe em cada trem do Japão (é claro que a atendente ia xingar a gente e se recusar, mas nas regras não tinha nada dizendo que não podia). Então, como queríamos a 1a (seria a viagem individual mais comprida que faríamos no xinkancen), já tínhamos reservado para a 1:30, com tempo para chegar em Hiroxima, talvez passear um pouco, e pegar um bonde para a estação das barcas.
Como acordamos bem cedo, decidimos que tínhamos tempo de fazer outro passeio antes de ir para o parque que seria a estrela do dia, com um jardim famoso de estilo chinês e um museu que incluía o tal selo chinês que é o artefato mais antigo a mencionar o Japão. E decidimos por um parque à beira-mar, no subúrbio, que tinha aparentemente mais barraquinhas de comida, e massas de rododendros e wisterias em flor. Pegamos na estação Hakata um trem expresso (com orelhas de Mickey Mouse nas cadeiras, que serviam para apoiar travesseiros) até uma estação na beira do subúrbio, e lá trocamos por outro trem, local. A estação suburbana, ao contrário da de Hakata, era simples, estilo CPTM. Cheia de adolescentes de uniforme escolar. Com uma barranca ao lado que tinha mato verde, variegado, subtropical, que nos deixou absolutamente encantados depois de um mês de Sibéria.
Nosso 2o trem, ao contrário do expresso chiquérrimo mickey mouse, era um velhinho, com ventilador parecendo ventilador de mesa antigo e apenas dois vagões. Pulava um tanto, o que foi o primeiro momento "acho que estamos entrando numa roubada." Quando estávamos nos decidindo se o pula-pula era o bastante para darmos meia-volta na próxima estação (de novo, as costas de Thuin), o trem para, subitamente, logo depois de cruzar uma passagem de nível. Todo mundo se entreolhando, então não era normal. Passa, correndo, o maquinista para a traseira. Passa de novo, correndo, de volta para a cabine dianteira. Mais tempo corre. Uma aglomeração de crianças do bairro (nessa altura, exclusivamente de casinhas) se junta ao lado do trem. Uns médicos aparecem, mas só ficam olhando. Chegam os bombeiros. Polícia. O bairro, todo de ruazinhas apertadas, pelo visto não ajuda; o trem estava a cavalo da única com mais de uma via.
Aparentemente, o trem tinha atropelado alguém. As criancinhas entregaram aos bombeiros um casaco que parecia caro, mas isso não quer dizer muita coisa; no Japão ultra-consumista e sem espaço no armário, tem mendigo com roupa cara. Pelo visto a pessoa não tinha morrido, não de vez, porque os bombeiros cavaram um espaço sob os trilhos e armaram uma espécie de túnel até a ambulância para levar a pessoa. E nisso horas se passaram... só quando a vítima já havia sido levada embora é que pudemos descer do trem, por uma escadinha de emergência na traseira. E aí fomos esperar que a polícia e o representante da JR nos chamassem um táxi - e ficamos por último nisso, ou seja, mais horas. E isso tudo sem entender muito bem o que se passava, já que os únicos que falavam inglês ali por perto, um casal de nisseis americanos, nos ignoraram redondamente e foram eles chamar seu táxi logo. Enfim, fomos enfiados pelo representante da JR num táxi, digrátish pra onde quiséssemos ir. O taxista, apesar das capas rendadinhas no encosto, era vida loka e chegou de volta na estação Hakata em não muito mais tempo do que o trem expresso, com direito a um momento inacreditável em que fez slalom atravessando uma avenida portuária na transversal. Ouvia o que, pelo tom, devia ser o Datena local. E recebeu da JR pela viagem, se não tiverem pago a volta, uns 200 dólares.
Com essa bagunça toda, perdemos não apenas o passeio (o principal e o extra) como também o trem para Hiroxima. Ah well. Pegamos o trem de 3:40. E com isso fizemos todas as três categorias de trem do Japão (local, expresso chique, e tav) no mesmo dia. Por dentro, fora ter uma fileira a mais (a bitola é padrão europeu ao invés de estreita), o tav tinha o mesmo padrão do mickey mouse de de manhã, o que quer dizer mil vezes melhor que qualquer poltrona de avião fora das primeiras classes e executivas-cama da vida. Larga, reclinando pra caramba. A aceleração do trem é quase imperceptível, as curvas idem, trepidação zero a não ser por uma sensação de onda de choque ao passar por outro trem ou entrar num túnel. A paisagem que se via, quando o trem não estava num túnel, era de muitos morros verdes e ilhas - um pouco como a Rio-Santos, só que com muuito mais área urbanizada, e muita indústria pesada. Refinarias, siderúrgicas. Chegamos em Hiroxima e, claro, nada de passeio nem de pegar bonde, que se não perderíamos o jantar em Miyajima. Pegamos o trem local-rápido, amarelo, que era expresso como os expressos da CPTM ou da Supervia, com jeito de metrô dentro. Chegamos na barca já ao anoitecer, com pouco tempo pra perdermos a janta. A barca, grande e lerda, não demorou muito; a paisagem dela lembrava muito Angra dos Reis. Na ilha, pegamos um táxi que, pelo tamanico da cidade, nem passou da primeira bandeirada, uns 16 reais. Enfim, a tempo.
Estávamos num riyokan, uma estalagem à moda antiga, com jantar incluído. No Japão riyokan são mais estrela na comida do que restaurantes. E este não decepcionou; foi, talvez, a melhor comida que qualquer um de nós já tenha comido na vida. Era quase uma sinfonia, com vários pratinhos na ordem certa; sashimi, sushi, caldo, grelhado, sukiyaki, arroz, sobremesa... tudo perfeito. Depois do jantar, fomos para o banho: um onsen, com água fervendo das entranhas da terra. Toma-se banho num chuveirinho com balde antes de entrar na banheira pública (pelado - os banhos são divididos por sexo). Este em particular, além da banheirona interna tinha outra, menor, ao ar livre. Depois do dia punk, ficamos basicamente todo o tempo que podíamos, até fechar nos banhos...

No comments:
Post a Comment