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| O saguão da estação Quioto |
Ou melhor, altitude "24m e subindo," já que foi nosso primeiro dia subindo para Quioto. "Subindo" no caso não é que nem subir do Rio para Petrópolis, já que o Japão, apesar da quantidade de montanhas no mapa, é uma civilização da planície, que via a montanha como território exótico e bárbaro até recentemente. Quioto fica a meros 140m de altura, e sinceramente nem se percebe que o trem está subindo. (Em comparação, o trem de Santos para São Paulo tem que usar uma roda dentada para subir.) Pegamos o trem para Nova Osaca, de lá o trem-bala para Quioto, e descobrimos que o tempo foi mais ou menos o mesmo que se tivéssemos pego um trem normal (expresso interurbano, lex) em Osaca Central, só que com mais baldeação. Anfã. Acontece. Ao contrário da maioria das estações do Japão (que são subsolos de lojas de departamento, basicamente, eou acumulações de puxadinhos) ou de Osaca Central (que é enorme, mas não particularmente impactante), a estação de Quioto é lindíssima, catedral dos transportes da mais pura cepa, toda em aço e vidro. Como Quioto é centro de várias rotas, motivo até pra ter sido capital, a estação é maior do que qualquer das duas de Osaca (bem, ok, também porque as duas dividem as plataformas), com mais de 30 plataformas. O saguão e todo de vidro e aço escovado, enorme e com curvas e ângulos que lembram um origami em escala monumental.
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| Cerejeira no palácio imperial |
Na saída do metrô (menos rápido que os trens urbanos da JR, com estações mais feiúscas e uma programação visual que, se não era exatamente clean, não era o excesso de informação da JR) Fomos ao palácio imperial, para admirar os jardins e porque eles eram parte do nosso caminho para o Pavilhão de Prata e o Caminho dos Filósofos. Os jardins do palácio realmente são bastante impressionantes, uma versão em grande escala de jardins japoneses clássicos; o próprio palácio, uma recriação livre novecentista dos palácios antigos, é bem menos. É basicamente um muro baixo com telhado preto, com uma larga faixa de brita em volta o isolando dos jardins.
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| O Kamõ |
Antes de chegar na loja de bicicletas para alugar as magrelas que nos levariam ao pavilhão e à promenade, atravessamos o rio Kamô, não pelo caminho mais óbvio (pela ponte) mas por um caminho de pedras que pareciam tartarugas. Nas duas margens do rio se estende um parque com cerejeiras e bordos, e uma horda de piqueniqueiros, grupos menores famílias ou amigos, e muitos grupos de escola. Os antigos imperadores diziam que só não podiam controlar as enchentes do Kamô e os monjes de Hiei, mas naquele dia o Kamô estava bem rasinho, mesmo estando na época das cheias do degelo; suponho que a tecnologia moderna tenha superado os antigos imperadores com uma barragem de concreto... (os monges de Hiei foram todos mortos por Oda Nobunaga ainda no final do século XVI) Um pouco depois do rio, vimos um mercadinho que parecia interessante e entramos nele para comprar bentôs pro piquenique, de frutos do mar e de rio, e legumes caipiras cujo nome não aprendemos. (Ao lado tinha uma loja especializada em bentô, mas caríssima e a maioria dos que vendia era de carne.)
A loja de bicicletas ficava ao lado de uma estação de trem que levava para os subúrbios ao norte, e (diziam os cartazes turísticos) o monte Kurama, cujo mosteiro é a casa natal do reiki. Thuin ainda se sentiu tentado a pegar o trem, que acabava num funicular, mas o tempo de ida e volta seria mais de hora e meia, então deixamos pra lá; ao lado, também, havia uma estação da Keihan, o terceiro sistema de trem urbano principal de Quioto além da JR e do metrô, subterrânea. Pegamos as bicicletas, que eram meio gastas mas ok pelo preço e tinham ao invés de corrente uma trava para a roda de trás, e seguimos em frente. Ao lado do lugar de alugar tinha também uma loja de vender bicicletas com umas lindíssimas, e baratas até; se estivéssemos no final da viagem teríamos comprado uma pra arrastar pro Brasil.
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| A estrada de ferro de Kurama |
No caminho até o Pavilhão de prata, passamos boa parte do tempo ao lado da Universidade de Quioto; uns predinhos baixos, sem nada de especial. O que era bastante especial, pelo menos quando contrastado com o que já tínhamos visto do Japão, era a quantidade de árvores, seja nos terrenos da universidade, dos templos que salpicavam o caminho, ou até na própria calçada. A calçada, um pouco mais larga do que a maioria no Japão e com um meio-fio alto (que também não é comum por lá) era o território preferido das bikes, principalmente as pilotadas por tiazinhas. E ninguém reduz a velocidade quando chega perto de pedestre; toca trim trim a buzininha, e o pedestre pula pro lado antes que seja atropelado.
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| Jardim do pavilhão de prata. Sim, isso é tudo areia grossa. |
Logo antes de chegar ao pavilhão, nos perdemos um do outro, e ficamos ali nos procurando por uma boa meia hora. Quando enfim nos encontramos, apeamos (a muvuca era grande demais pra se prosseguir de bike; havia algumas almas corajosas que o faziam), deixamos as bicicletas encostadas numa ameixeira (só as bikes realmente megablaster, que eram muito poucas, eram acorrentadas; a maioria tinha a mesma travinha que a nossa), e subimos a rua de lojas até o pavilhão de prata, que é um templo e, como todo templo alvo de peregrinação eou turismo, tem que ter uma rua de lojinhas de tudo que é tipo de coisa. Comemos uma batata no palito em espiral na ruazinha, nada de mais mas ok, e um obentô melhorzim. O Pavilhão estava lotado, com fila para entrar e galere andando em fila indiana pelos jardins (não se pode entrar nos três prédios do complexo, pequenos, a não ser que você seja convidado especial dos monges). O jardim é realmente tresbundante, completamente zen, com os planos de areia arada, bambus, e pinheiros nas encostas de morro, e bambuza e moitas de chá e camélia bloqueando vistas mais amplas; igualmente perfeito é o pavilhão de prata propriamente dito, que não tem nada de prata; havia um plano originalmente de fazê-lo de prata, assim como o Kinkaku-ji é de ouro, mas alguém deve ter se dado conta de que iam ter que ficar polindo a prata todo santo dia, e nem monge zen tem essa paciência toda. O pavilhão é de madeira bruta com verniz fosco e taipa de pilão pintada em cal viva. Um par de moças próximas a nós na fila não sabia da história, e olhou, confabulou, e chegou à conclusão de que era prata mesmo, dava pra ver.
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| Óbvio que é de prata, não? |
Na saída do ginkaku-ji, inda compramos um saquê na lujinha da saída, e fomos fazer piquenique na promenade dos filósofos, um caminho comprido pelos pés dos morros que cercam Quioto a leste, todo ao longo de um canal estreito com cerejeiras plantadas dos dois lados. Percorremos o caminho inteiro de bicicleta, sujando um pouco a bike e as calças de lama, o que talvez não seja o jeito certo de percorrer um caminho de filósofos zen, mas ok pra nóis. Devolvemos as bicicletas, e pegamos o trem da Keihan, de longe mais tchuns trem urbano que pegamos no Japão, estações com arte que nem as do metrô de SP, sinalização com toda a informação da JR mas sem a confusão, tudo com cara de novo. A estação em que saltamos, já no subúrbio, era um pouco mais distante do que a estação da JR, esta mais basicona mas com pilastras pintadas em vermelho pra imitar os torii.
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| Arte no "metrô" da Keihan |
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| Magia. |
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| Pura. |
Sim, porque Fuximi-Inari-Taixa (o grande santuário de Inari, deus do comércio, em Fuximi) sói ser o santuário de Inari com os torii todos formando corredores pela montanha. Passa-se pela rua de comércio (sushi de bacon, uma delícia), pelo templo exterior e aposentos dos sacerdotes, que vão do medieval ao banalmente moderno, pela cavalariça onde uma estátua de cavalo tem sela e arreios riquíssimos, e entra-se nos corredores que serpenteiam por todo o morro de Fuximi. Os torii são ex-votos; além dos grandões que forma os corredores, há menores pendurados em varais volta e meia em sub-santuários. Pros menores, há tabela de preços padronizados afixada volta e meia; os maiores acho que são da teoria "se você tem que perguntar você não pode pagar." No meio do caminho montanha acima - sim, este foi o dia do exercício e subimos até o alto, que é o verdadeiro santuário interior, com ares prehistóricos e Inari encarnado numa pedra - casas de chá servem de lugar pra descansar e tomar um cházim e sopinha. Se embaixo, assim como no Ginkaku-ji, uma multidão meio que sabota os ares místicos do lugar, depois de percorrido o primeiro quilômetro ela some quase inteira, e andamos pelos corredores de torii quase sozinhos no lusco-fusco do entardecer; voltamos já de noite, e teve uma hora em que uma moça que estava perdida começou a nos acompanhar.
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| Magia. |
Na volta, pegamos a estação da JR direto até Quioto; poderíamos ter pego direto até Osaca, no outro sentido, mas melhor ir até Quioto e pegar o trem expresso que ir pingando até Osaca num trem tipo metrô. Chegando na estação Osaca, fomos atrás de um lugar pra comer por lá mesmo, já que não acharíamos perto do hotel, e acabamos indo parar num sushi de esteirinha. Bastante bom, com vários sabores que não conhecíamos, e com a atração de ser a porcaria dum sushi de esteirinha. Com direito a sushi de natto, sushi de lula fermentada...
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| Não sei quem fui que comeu isso tudo. |
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