Monday, April 25, 2016

25.4.2015 Tóquio 15 a 20C Altitude 6m



A manhã já começou feliz, com os pães da padaria de Shinjuku. E cedo, porque iríamos ao parque Ueno, onde tem mais museu do que gente. A estação Ueno já é interessante porque consegue ser ainda mais puxadinhesca do que as outras grandes estações de Tóquio; havia lugares em que Thuin literalmente batia a cabeça no teto. O parque é, bem, mais ou menos um parque. Não é muito grande (um pouco maior que o Parque Vila Lobos de tamanho, um tanto menor que o Aterro do Flamengo), e tem um templo, um zoológico, uma sala de concertos, e quatro museus bem grandes (no Brasil, só o Museu Nacional seria parecido de tamanho, ou o Pavilhão da Bienal), mais uns outros prédios menores. Então, de verde mesmo o parque tem faixas não muito largas, de uns 80 passos, entre o pátio central (com uma bela e comprida fonte, e no qual estava rolando um festival de bandas teen e comida) e os museus todos. Ah sim, e nos únicos trechos verdes maiores, inda conseguiram pôr num um restaurante chique, noutro um monte de barraca de sem-teto. De novo: o parque não dá o Aterro do Flamengo, e conseguiram fazer caber isso tudo.  Naquele final de abril, a última cerejeira florida do Kantô estava lá também, em cima dum bueiro decorado com cerejeiras.

Fomos primeiro no museu nacional de história natural, com uma baleia azul de resina e uma locomotiva antiga de verdade do lado de fora. A exposição temporária era cara e já íamos gastar bastante tempo na permanente, mas nos sentimos no dever cívico de comprar o ingresso incluindo ela, porque era sobre a Amazônia brasileira. Entrando no museu, descobrimos que ele está sendo reformado; ao invés de fechar tudo, fecham e reformam uma sala por vez, então inda foi bem interessante. Curioso, porque alternavam-se salas à antiga (como as de que falamos no museu zoológico de São Petersburgo, lá no começo da viagem) e exposições modernas, muito mais legais. Na parte de biologia, uma sala tinha a "árvore da vida," ligando por fios luminosos que  percorriam o chão todos os tipos de seres vivos. N'outra, a da história da civilização japonesa, "famílias" de manequins vestidos e com utensílios de todas as épocas da pré-história remota até os anos 80. (Essa era a parte em que as crianças mais faziam oh e ah, depois dos grandes fósseis.) Na parte moderna sobre ciência e evolução da ciência, havia muitas dobradinhas objeto relevante- texto histórico sobre ele, com textos históricos belíssimos em japonês e chinês. E no final, a inevitável lojinha de museu, na qual dava vontade de comprar tudo "pras crianças," claro. (Acabamos ficando só com um celacanto de pelúcia e um livro de peixes em raio-x.)


Saindo do museu de história natural, já era hora do almoço, e almoçamos ali nas barraquinhas mesmo. Um curry (curry mesmo, indiano, não carê), um yakissoba beeem yaki, e uns yakitoris; muito curioso, prum brasileiro, é que as trocentas barraquinhas e buzilhões de pessoas comendo não tinham, no meio, nenhuma lata de lixo. Você pegava a comida, ia pras árvores comer, praguejava porque o vento tentava virar sua comida, pedia mais um par de hashi porque o vento tinha conseguido, e aproveitava pra pedir outro espetinho, e voltava pra barraca com seu lixo, pra que eles jogassem na própria barraca. Algumas barracas eram mais interessantes do que as que escolhemos, como uma de comida okinawana ou outra com linguiça de pato, mas as barracas interessantes tinham filas quilométricas. Talvez se o que desse pra assistir da fila fosse algum outro tipo de evento que não um concurso de bandas adolescentes de pop açucarado...

O museu nacional não é um prédio, mas um conjunto de prédios dentro de um subparque, separado do parque principal por uma grade alta. Compra-se o ingresso, ou melhor, o "passaporte" (tem cara de passaporte mesmo, e te dá direito aos outros museus do parque Ueno também), numa bilheteria na grade, e lá dentro a deambulação é livre. Em volta da praça central, com uma canforeira enorme, tem, em sentido horário a partir da grade:


  • barraquinha de hambúrguer e sorvete
  • Pavilhão de exposições temporárias (um prédio com cara de indiano via inglaterra, do começo do século XX)
  • Pavilhão de arte japonesa (um grande prédio de concreto com detalhes japonistas, também Meiji)
  • Pavilhão de arte asiática (um prédio brutalista, quase minimalista)


Mais atrás, dois prédios mais contemporâneos e leves abrigam, um, menor, os tesouros do templo Horyu-Ji, e outro, do tamanho do pavilhão de arte japonesa, o museu de arqueologia (que estava, infelizmente, fechado quando fomos).


Iniciamos nossa visita pelo pavilhão de arte asiática, até pela idéia de que seria mais antigo, e com influência sobre a japonesa que veríamos depois desde o começo (não foi inteiramente verdade; enquanto o pavilhão de arqueologia estava fechado, separaram uma ala para algumas obras do período Jõmon, pré-histórico). A seleção tem bem mais Sudeste Asiático do que imaginávamos, inclusive o bonitão da foto acima, e bem menos China. Ainda é coisa pra caramba de arte chinesa, mas o que pensamos foi que a arte chinesa, que foi a principal influência artística e filosófica no Japão durante mais de mil anos, seria completamente dominante, e não era. Muita coisa da Coréia também, claro, inclusive umas cerâmicas belíssimas que era proibido fotografar mesmo sem flash. O museu não parece ter uma política muito restritiva de uso de imagem; a impressão é que as coisas proibidas de se fotografar mesmo sem flash são pra evitar que um desavisado, ou "desavisado," tire as fotos com flash; quase sempre são coisas com pinturas em materiais mais sensíveis à luz. O que sobra de proibido fotografar são objetos que não pertencem ao museu, mas estão lá emprestadas pra sempre por alguém. Numa sala de exposição temporária, descobrimos um conhecido do começo da viagem: o registro em vídeo e documentos da expedição russo-japonesa que encontrou o mural da rota da seda sobre o qual tivemos uma aula (em russo) no Hermitage, em São Petersburgo, mais as fotos e vídeos mostrando as mudanças na região nestes cem anos.

À esquerda, o pavilhão de arte japonesa, prédio original do museu. À direita, o pavilhão de arte asiática. 

O prédio do pavilhão de arte japonesa não é tão bonito quanto o do de arte asiática, é um brutamontes de concreto em que os detalhes mais elegantes de arquitetura japonesa tradicional só agravam o peso, mas a coleção é exatamente o que se poderia esperar... fomos meio correndo (a essa altura já era o meio da tarde, e a bateria do celular já tinha acabado - as fotos neste artigo foram tiradas quando voltamos), mas tinha desde as tais cerâmicas Jõmon, que não são apenas interessantes pela vetusta antiguidade mas também como objetos de arte mesmo, a caligramas zen e pinturas kamô pintadas em ouro, de ukiyo-e mostrando putas e dândis a grandes painéis históricos, de caixas de tabaco a minúsculos caprichos de madeira e cerâmica. Como não é um museu europeu, não há a distinção entre "arte" pintura e escultura e arte aplicada, então a variedade de suportes é enorme. Alguns dos objetos mais interessantes eram prosaicos, quase utilitários, como as guardas de espadas ou instrumentos de cerimônia do chá. Aliás, falando em armas, lá tem o primeiro exemplo de restauração moderna do mundo... por mais de dois séculos, e que infelizmente não fez escola. É uma armadura do período Kamakura, restaurada por ordens de um barão do clã Tokugawa em idos do século XVIII, quando já tinha cinco séculos. E o armeiro encarregado, ao invés de se fazer como naquela época, e até o século XX, geralmente se fazia, e tentar deixar a armadura com cara de nova, ao invés disso fez uma descrição, com desenhos e palavras, detalhada, e fez a restauração de forma que fosse ao mesmo tempo harmoniosa com o original, mas sem que desse pra confundir em momento algum a parte restaurada com a parte original.


No meio das coleções do museu, também tem o antigo gabinete do diretor, recentemente restaurado pra ficar como era no começo do século XX, com direito a um pequeno jardim japonês privativo do diretor (em que infelizmente não se podia andar, só olhar de dentro)  e, na antessala, gravuras e fotos da abertura do parque Ueno ao público. Uma das conclusões a que se chega olhando para ele, e para as antessalas que continuam no mesmo estilo, é que pra chegar às salas brancas atuais tiveram que jogar MUITA decoração fora. Saímos praticamente escorraçados, já de noite. O parque já estava meio vazio, e os sem-teto, que têm vergonha de aparecer em público, saíam das barracas (inclusive pra usar o banheiro do parque, que Thuin acabou usando pelo aperto, mas estava, ahn...). Inda entramos, antes de sair do parque, no saguão da sala de concerto, só pra bizoiar; chegamos a pensar em ir em algum concerto, mas já não tinha assento à venda pra semana.

Do lado de fora, perambulando pelas ruas do entorno, vimos muitas lojas mais populares, inclusive umas fantásticas, de brinquedos, de vários andares, e mais uma vez "deixamos pra depois" comprar as coisas. De lá, resolvemos ir para uma livraria que parecia interessante, por conta de um panfleto deixado no albergue. Pegamos o metrô e saltamos do outro lado do rio, ao lado de um prédio que era uma casa de shows, mas parecia o maior cocô dourado do mundo. (Depois descobrimos que "cocô dourado" é exatamente o apelido dele.) Nos perdemos um pouquinho, para não perder o costume (a área era bem suburbana, com muito pouca gente na rua à noite, e pouca sinalização também), e chegamos à livraria, que... era um sebo, com muita coisa em inglês, mas bem pouca coisa em inglês sobre Tóquio, que é o que achávamos que íamos encontrar. Nos fundos, um grupo de ingleses conversava animadamente com o dono. Então, não tendo vontade particular de comprar livro americano só por conta do adesivo de preço em japonês, demos meia-volta volver, e voltamos para Ueno, onde resolvemos jantar antes de voltar.
A estação Ueno


Pra jantar, fomos para debaixo do viaduto do trem, literalmente. Não é uma coisa rara de se encontrar em Tóquio, lojas e restaurantes encalacrados nos viadutos do trem; muitos deles, inclusive o de Ueno, são resquícios dos mercados negros e favelas do pós-guerra. O restaurante de sobá em que entramos era ridiculamente barulhento, entre estar lotado, a acústica de um lugar encalacrado sob um viaduto de trem, e os próprios trens passando a cada três minutos. Mas era, também, ridiculamente gostoso; pedimos de entrada ostras cruas, e sobá com frutos do mar depois; no cardápio, com uns toques de polinésia, sugeria também uma tábua com tudo que tem no mar grelhado, mas achamos que era comida demais.


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